segunda-feira, 12 de setembro de 2022

FALTA DE MOVIMENTOS - Heraldo Lins



 FALTA DE MOVIMENTOS


Começou pelas mãos, aquela dormência foi subindo em direção aos braços, semelhante a uma enchente em rio seco.

Nos dedos, parecia que tinha um fio de alta tensão mandando descargas de mil volts em momentos de curtíssimo intervalo de tempo. Se alguém o observasse, acreditaria que estivesse a falar a linguagem dos surdos-mudos cujas frases nem cego entendia, depois de feita a dublagem.   

Os movimentos dos pés e pernas superaria, em muito, uma multidão de dançarinas de frevo em plena terça-feira de carnaval. Não havia dúvidas que estava recebendo divindades misteriosas. A cabeça rodopiava querendo saltar fora, alternando movimentos circulares, para frente e para trás e, também, para os lados como se o pescoço fosse feito de elástico.   

Não havia preferência para qual dos pontos cardeais aquele homem se dirigia, motivo maior para deixar sem saber o tipo de pai ou mãe de santo estaria ele reencarnando naquela roda da sexta-feira treze.   

A barriga fazia ondulações saindo do toráx em direção ao baixo ventre, tipo uma bola descendo e subindo, e por vezes a bola tentava sair pelo umbigo. 

No rosto, a boca era a mais afetada pelos movimentos. O maxilar ia para frente e, em ato contínuo, os lábios superiores se retraiam e em seguida vinha um enquadramento nos olhos vermelhos com as partes escuras girando ao contrário uma da outra.  

Em certo momento, os cabelos começaram a ficar em pé, deitando e levantando-se iguais a uma plantação de milho enfrentando rajadas de vento. Era um verdadeiro pisca-pisca de fios.   

Gazes com odor de alho torrado, com seus respectivos barulhos, eram expelidos parecendo uma pipoqueira a todo vapor.    

As orelhas abanavam-se dando a impressão que eram duas janelas sem tranca de uma casinha recebendo pressão de tufões, enquanto as unhas imitavam a língua de uma cascavel à procura de suas presas.  

Entre esses desordenados movimentos, sua voz era ouvida em milhares de idiomas, intercalando palavras diferentes, inclusive, eram também pronunciados os dialetos das mais longínquas tribos. 

Tudo isso acontecera em dois minutos, entretanto por faltar cambalhotas no culto aos orixás, seu autor perdeu o prêmio de melhor desenho animado.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 12.09.2022 – 10:25



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