domingo, 28 de setembro de 2025

VIDA ECONOMIZADA



VIDA ECONOMIZADA


Depois de perceber que demorava um minuto para dobrar os lençóis e ajeitar os travesseiros, ele decidiu nunca mais arrumar a cama. A decisão surgiu quando multiplicou os dias, somou os anos, aplicou porcentagens de margem de erro e concluiu que estava desperdiçando dois dias e meio a cada dez anos.

A escolha causou certo alvoroço no grupo da família, onde ele a compartilhou — com gráficos e tudo. A partir daquele dia, sua cama passaria a ser um território livre do desperdício de tempo e esforço. Para ele, cama desarrumada seria sinônimo de inteligência aplicada.

Não parou por aí. Tomado pelo espírito da otimização, planejou começar uma poupança alimentar. Separava, com todo o rigor de um relojoeiro suíço, um único grão de feijão dos trezentos gramas que comia todos os dias. Calculou que, em um ano, teria reservado trezentos e sessenta e cinco grãos — cem gramas, aproximadamente. Se alguém dissesse que era pouco, ele rebatia que, em três anos, conseguiria economizar uma refeição.

Logo depois, achou desperdício usar um palito de fósforo inteiro para acender uma única boca do fogão. Fez testes, medições e concluiu que metade de um palito bastava para gerar a chama necessária — desde que a mão fosse firme e o movimento, rápido. Munido de um estilete, passou a cortar todos os palitos ao meio. “Cem fósforos viraram duzentos”, anotou em seu caderno, onde mantinha registros que iam desde o consumo mensal de água até a durabilidade média de uma esponja de lavar louça. Para ele, não se tratava de avareza, mas de lógica pura.

Foi então que voltou os olhos para o rolo. Depois de alguns dias de experimentos práticos, chegou à conclusão que a maioria das pessoas usava papel higiênico sem a devida concentração. Optou, portanto, por destacar apenas um pedacinho. Criou até um molde de papelão com o tamanho ideal do recorte.

Na cozinha, a revolução seguiu firme. Percebeu que esfregar cada prato com sabão era um luxo do qual podia muito bem abrir mão. Passou, então, a apenas jogar um fiozinho de água sobre a louça usada, deixando-a estrategicamente inclinada na pia, pronta para o próximo uso. Os talheres foram promovidos a residentes fixos de um pote com água, onde repousavam, livres do sabão e da perda de tempo com enxágues. Quanto aos pratos, passou a comer direto da panela, com a mesma naturalidade com que tomava café em copo de geleia reaproveitado.

Certa tarde, após calcular o gasto anual de energia elétrica com o ferro de passar, somado ao tempo perdido entre camisas e fronhas, tomou mais uma decisão definitiva: venderia o ferro — “aparelho opressor e ultrapassado”, como passou a chamá-lo.

“Se roupa rasgada virou moda, por que a amassada não pode ser tendência?”, argumentava, olhando-se no espelho com uma camisa social que parecia recém-saída de um furacão. Batizou a ideia de “moda funcional”. Enquanto os outros ainda lutavam contra vincos e dobras, ele desfilava pelas ruas com seu look enrugado e expressão de quem não estava nem aí.

Foi numa manhã de domingo que resolveu andar descalço. Tirou sapatos e meias e os guardou numa caixa rotulada como “legado histórico”. Cada passo, sentindo o piso gelado sob os pés, era um novo território conquistado, e, assim, passou a circular livremente, pés no chão e contas na cabeça, evitando solados novos e lavagem de meias.

Inspirado pelos benefícios da vida simples, começou a repensar a necessidade do banho diário. Cada um, com cerca de dez minutos, representava, em média, 80 litros de água e um consumo considerável de energia. Somando-se a isso o gasto com sabonetes, xampus e toalhas, a conta ficou indigesta.

Resolveu, então, adotar o “banho estratégico” — termo que criou para designar uma higienização parcial, com pano úmido, nas áreas de maior movimentação. Criou até um cronograma rotativo: segunda, axilas; quarta, pés; sexta, regiões sensíveis; e domingo, banho completo.

No auge de sua filosofia de economia total, chegou à conclusão inevitável: viver dava trabalho demais. Mesmo com todos os cortes, ajustes e sacrifícios, ainda havia contas a pagar. A existência, segundo ele, era um projeto demasiadamente caro para alguém comprometido com a eficiência absoluta.

E foi então que, em seu caderno de anotações, escreveu o último cálculo:

"O morto não gasta — não precisa comer, nem dormir, nem lavar nada. Não sente calor, frio, vergonha ou tédio. É a paz do saldo zerado."

Preparou-se como quem encerra uma conta bancária. Deixou tudo anotado, inclusive um bilhete:

"Chega uma hora em que a única forma de parar de gastar é parar de estar."

E assim, partiu em silêncio, com planejamento e sem excessos. Nenhum velório pomposo, nenhuma coroa de flores — apenas um bilhete na porta:

"Favor não chorar, desperdício de água salgada."


Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 28.09.2025 - 08h28min.

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