quinta-feira, 14 de março de 2024

TE AMEI! - Alexandre Nelli

 



Te amei!

Brincávamos todos os dias, todas as tardes,
Éramos crianças ingênuas, alegres, saltitantes, 
Queríamos apenas viver, correr, sorrir, 
Deixar a felicidade nos invadir da melhor e simples maneira,
Passávamos horas e dias caçando borboletas, 
Florindo as manhãs com sorrisos e pureza, 
Amava correr contigo naquele capim verdinho 
Que tinha nas terras do teu pai, 
Exalava um perfume até hoje impregnado na memória, 
Um dia comecei a te perceber com outros olhos quando minha mão se esbarrou na tua, 
Tudo tão comum, aliás, 
Brincávamos todo tempo e isso acontecia rotineiramente, 
Mas naquele dia foi diferente, 
Quando nossos olhos se faiscaram pela primeira vez, 
Te amei...

Estávamos maiores, não corríamos mais, 
Das borboletas restaram-me apenas lúcidas lembranças,
Conversávamos ainda, o que era bom,
Caminhávamos pelos campos, no entanto, 
Pouco tempo nos sobrava, as responsabilidades te afastaram de mim, 
Quando meus lábios se fundiram com os teus já te amava!
Quando nossas mãos se uniram com a alma, te amei! 
Me enlaçava o brilho estonteante do teu olhar, não foi culpa minha!
Não foi de propósito. 
Na verdade, não sabia que estava caindo em tuas redes, 
Me afundando, como chumbo no mar, sem retorno, 
Cheguei à conclusão que só eu amei... 

Quando nossos corpos se uniram naquele dia de chuva 
Pude sentir tua alma dentro da minha, 
Senti que seria eterno. 
Te amei cada vez que via teu sorriso angelical, 
Te amei enquanto te via da janela, em teus sonhos, 
Te velava escondido naquela árvore em frente ao teu quarto, 
Rezando para que fosse protagonista do teu desejo, 
Te amei quando você se afastou de mim, 
Sei que nosso amor poderia ser impossível, 
Mas a impossibilidade só existe quando acreditamos nela!
Te amei enquanto te via escorrendo de minha vida como água nas mãos, 
Te amei quando teu sorriso não correspondia o meu, 
Quando nossas palavras se restringiram apenas a cordialidades, 
Te amei quando te vi com outro alguém...

Morria a cada dia ao saber que não era eu quem tocava tuas mãos suaves, 
Quem beijava tua face... 
Te amei quando não mais te vi. 
Pensei mil vezes em esquecer-te! 
Mas meu coração moribundo ainda lutava, 
Quis mil vezes odiar-te!
Porém minha alma se negava ao meu sacrifício. 
Um dia, quando eu estava no celeiro, 
Apareceste como estrela cadente que perdeu o rumo do céu, 
Chegaste com os olhos ardentes em lágrimas.
Havia me preparado para este momento, 
Havia ensaiado noites e noites para negar-te por toda a vida, 
Porém, te amei...

Te amei quando teus soluços se uniram aos meus lábios, 
Enquanto te amava sem palavras,
As lágrimas minhas se uniram com as tuas, 
E pude sentir a dor do eterno estraçalhar-se dentro de mim e chegar ao fim, 
Pude sentir tua alma mudada, aflita, turva, 
Quando colocaste a capa, fitastes em meus olhos tanto tempo quanto um soluçar, 
Estalaste um beijo frio nos meus lábios ainda atormentados pelos teus 
E silenciosamente saíste e te amei ainda mais... 
Nunca mais a vi. 

Sei que milhões de outras aparecerão,
Mas não será você, não haverá intensidade,
Não haverá amor, não existe amor na tua ausência.
Estou condenado a viver te procurando em mil bocas,
Te vendo em mil faces,
Porém o amor levaste contigo,
Naquele dia no celeiro...
Mas te amarei até o meu existir
Quebrar-se em mim 
Como o eterno que sonhei.


Alexandre Nelli


sexta-feira, 8 de março de 2024

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

MASTIGANDO O PÃO DA ARTE - Hélio Crisanto

 



O RIO TRAIRI E EU - João Maria de Medeiros

 



O RIO TRAIRI E EU


O rio que corria, rente e em curvas, 

Da minha vida, 

Hoje, seco, vazio Trairi

Só em pensar, me arrepio, 

Na minha infância querida.


Aquilo não era simplesmente um rio, 

Na quimera da minha vida, 

Nadando, cortando as águas 

A fio, no frio. 


Ali, aprendi a nadar. 

Nem me lembro como foi 

Que me ensinou tanto. 

Portanto, obrigado, rio

Pela vida que nos deu 

À sua margem.


Mas ainda espero no Rio das Traíras

No seu curso, nadar, 

Nas tuas águas, 

Ainda poder abraçar.

 

A braçadas não tão fortes, 

Como era, 

Mas aqui à espera, 

De te atravessar.


Autor: João Maria de Medeiros









sábado, 24 de fevereiro de 2024

NEGRITUDE - Nelson Almeida

 


NEGRITUDE


A minha lança sou eu.

Minha cor é minha história.

Há muito saí do laço.

Na Tijuca ou na Barra,

Planejo todos meus passos.

Pois quando, na avenida, passo,

Querem me prender com o olhar.

Querem desvalorizar o que penso,

E o que faço.

Mas não desisto de lutar,

Sou lança livre no espaço.


Nelson Almeida. Natal, 24/02/24. 18:30.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

SERTÕES DE MIM - Hélio Crisanto

 



SERTÕES DE MIM


Há uma estrada distante
Com passadiço e porteira
Muito sol, muita poeira
Onde não tem viajante.
Num destino itinerante
Pouca gente atravessou
E quem por ela trilhou
Sentiu quão longe é o seu fim;
Há sertões dentro de mim
Que ninguém nunca pisou.

Hélio Crisanto






terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

A JORNADA PELO RIO DA EXISTÊNCIA - Maria Goretti Borges

 


A Jornada Pelo Rio da Existência

Vida: um rio. Assim como tantos outros elementos da natureza, um rio poderia ser a definição de vida. Vejamos: assim como a vida, o rio também apresenta um emaranhado de nuances, com múltiplas facetas, intituladas por alguns de mistérios. Em meio às indefinições, a vida, assim como o rio, segue o seu curso. Nós, os navegadores, seguimos na travessia rumo à outra margem. Dentre uma recomendação e outra, destaca-se o tão propalado ponto de equilíbrio, este está à nossa frente o tempo todo, uma perseguição implacável. É preciso alcançá-lo para que a travessia seja o menos traumática possível, quiçá, para os otimistas, até feliz. Desse modo, vão se construindo as narrativas da vida. O Rio, em sua dualidade, transborda alegrias e camufla tristezas, expõe sorrisos e oculta lágrimas, em sua superfície reflete luz, na profundidade submerge sombras, fiquemos atentos! Sem se intimidar, vai seguindo o rio, ora fundo, raso, largo, estreito, opulento, escasso; abrigando águas límpidas e opacas. Seriam essas águas, contraditórias, complementares ou apenas águas que compõem a sua história? Numa dinâmica constante, a travessia vai tomando forma, colorindo tempo e sentimentos. Ao contemplarmos a divina e magistral continuidade da vida, é salutar parafrasear Heráclito de Éfeso: “nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio…”

O lado oposto à nascente, para onde navegamos, está sempre à frente, uns chegam mais rápido, uma competição nada interessante! Bom mesmo é a demora, ou seja, o nado a braços. Há quem diga que do outro lado é muito agradável, com extensos jardins floridos! Ainda não concluí meu curso de jardinagem, faço de tudo para ser reprovada, aluna faltosa. Por hora, vamos cuidando dos nossos campos por aqui, há muito o que se fazer. “A messe é grande, mas os operários são poucos” - Lucas 10. Enquanto rio que somos, saudemos nossos afluentes: família, amigos e tudo que nos faz bem! E assim,

Emergidos no mundo das incertezas, enigmas, sem parti pris, fiquemos, tal qual Gonzaguinha, com “a pureza da resposta das crianças é a vida! É bonita e é bonita…"


Maria Goretti Borges





PODE A VIDA NOS LEVAR UM GRANDE AMOR, MAS JAMAIS UMA AMIZADE VERDADEIRA - Bernardo de Assis

 



Pode a vida nos levar um grande amor 
Mas jamais uma amizade verdadeira 

(mote e glosas de Bernardo de Assis)


Muitas vezes pelo vento do destino

Arrastados somos nós do lar materno

Afastados dos abraços mais fraternos

De amigos desde o tempo de menino

Pelo mundo nos tornamos peregrinos 

Nessa vida que é tão breve, passageira

Porém nunca esqueceremos as primeiras 

Aventuras que vivemos com fervor 

Pode a vida nos levar um grande amor 

Mas jamais uma amizade verdadeira 


O amigo é aquele que te abraça 

Sem julgar se está certo ou errado 

Se estás triste ele chora ao teu lado 

Na alegria ele também acha graça 

Enche o saco, tira onda, faz pirraça 

Se o teu time perder é uma zoeira

Não tem fim entre vocês a brincadeira 

Quando juntos não existe mal humor

Pode a vida nos levar um grande amor 

Mas jamais uma amizade verdadeira 


Há momentos bem difíceis nessa vida

Que sozinhos não podemos prosseguir 

E a lágrima que insiste em cair 

Não permite enxergarmos a saída 

E vagamos tal como ovelha perdida

Ou o galho que se solta da videira

Porém sempre há uma alma alvissareira 

Que acolhe e nos devolve o vigor 

Pode a vida nos levar um grande amor 

Mas jamais uma amizade verdadeira 


Nesse mundo onde o deus é o dinheiro 

Muitos são do vil metal triste escravo

Se você trouxer no bolso um centavo 

Será esse o seu único parceiro 

No entanto o amigo verdadeiro

Não lhe estima pelo que traz na carteira 

Não lhe importa sua patente ou carreira 

Saberá reconhecer o seu valor

Pode a vida nos levar um grande amor 

Mas jamais uma amizade verdadeira.





BATE PAPO MATINAL - Joel Canabrava

 




BATE PAPO MATINAL 


A cuia balança,

Soa feito maracá

Corre, corre, comida....

É um salve-quem-quiser


Minha mãe maestrina, matinalmente

No seu pomar de bichos

Balançando seu instrumento

Pipipipipipi........

Papo com galinha 

Mas a bicharada toda gosta da melodia....


É ronco de porco

Porca parida 

É cachorro levando mordida na canela e "um sai pra lá, saliente!"


Uma pata vem se balançando toda apressada e atrasada.

Um gato dorminhoco 

Indisposto expectante.

Um passarinho na cerca oportunista

Um soinho escabreado na goiabeira 


E coitado do capote 

Tá fraco, tá fraco...

Não deixaram nada

Papo reto, bico seco


Minha mãe olha...conta 

Sentiu falta da pedrês 

Será que a mucura comeu mais uma?



Joel Canabrava

Autor de



domingo, 18 de fevereiro de 2024

FALHAS NA CERTEZA

 


FALHAS NA CERTEZA 

Meneia a cabeça tentando parar de pensar, mas não tem jeito. O motor torturante das imagens permanece ligado independentemente da vontade do consciente, restando ao condenado adaptar-se a essas amarras enquanto o tempo o consome.

Não pode entrar na área de escape e depois voltar. O jogo consiste em ir aprendendo a lidar com suas dúvidas sem que possa experimentá-las num possível ensaio. O desafio é se manter organizado, impedindo que as vontades inatas extrapolem o cerco cultural do que pode ou não fazer. Assistir pessoas implorando para que as retire da zona de sofrimento, esse é o sonho arquitetado pelo pensamento maligno que o acompanha. Muitas vezes, pediu para exterminar seus inimigos, mas não existe a exceção em quebrar a regra de amá-los como a si mesmo, então ficou refém dessa condição de criatura produzida em série apenas para executar o programa instalado no ninho cerebral.

Ele é o seu próprio inimigo sem permissão para autodestruir-se, por isso tem que usar artimanhas de fuga para não ficar frente a frente com a própria pequenez de subserviente.

Tomar consciência dessa condição o fez arredio diante das fantasias impostas pelos sentidos. As sensações da existência de um mundo exterior lhe chegam através dos sentidos como o mais reles dos seres vivos que decidem balizados pela dor e pelo prazer enganadores.

O que o faz ser de forma contínua é uma imposição da produção dos mesmos pensamentos, definindo-o através do seu comportamento repetitivo dentro de um círculo barrado pela carência holística. Não tem escapatória enquanto depender da matéria orgânica para seguir existindo no mundo infinitamente pequeno das reações moleculares.

Pode até se manter enganado achando que é o responsável por definir o que irá colocar em prática, porém todo o conhecimento necessário para tal, e adquirido a duras penas, será furtado pelo tempo no final do seu tempo. O mais dramático é que o pensamento não encontra mais a cola que o segurava nas paredes da imaginação. Transformou-se em água parada e fedida e sem utilidade prática.

Caminha para um fim igual a todos os outros e nem mesmo a consciência de estar em estado vegetativo ele tem. Aqui e acolá, um clarear de ideias se acende por trás das nuvens escuras que norteiam seu progressivo desmanche fazendo-o perceber que sempre foi assim, contudo a venda nos olhos colocada pela ambição não o deixou discernir o que era realidade ou ilusão.

Toma consciência que sempre será tarde para decidir qual o melhor caminho a ser tomado, já que os acontecimentos seguem num ritmo de frações de segundos sem chance para qualquer humano acompanhá-los em tempo real.

Heraldo Lins Marinho Dantas Natal/RN, 17.02.2024 - 11h26min.












sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

ÉBRIA NOSTALGIA - Lindonete Araújo

 


Ébria nostalgia*  (Autoria de Lindonete Araújo)

 

A lâmina saudade

Ardente, latente

Cortante, sem vestes

No deserto

Árido da alma

Sem aura, cansada

Rasgada pelo tempo

Ao vento

Num ar de desaforo

Que lhes devora.

 

Saudosismo que não mata

Apenas maltrata

Que perde a fala

Entala e se cala.

Lacerada pelas lágrimas

Embriagadas

Pelo sexto sentido

No ritmo do cheiro

Da presença invertida

E até do não vivido.


*Poesia classificada em Primeiro lugar no Concurso Literário Prêmio Poesia Agora - primavera 2020, promovido pela Editora Trevo, São Paulo/SP.

Do livro: Poesia Agora: primavera 2020 – 1. Ed. São Paulo, Editora Trevo, maio 2021.


Ouça o poema, belamente recitado e ilustrado por Arthur Martins

https://www.instagram.com/reel/C3YGnC7LJ3yrYDekvkKtuhdPuEwkYDAzYc8kK00/?igsh=YjNmbG83dDFscml3




Sobre Lindonete Araújo: Reside em João. É autora dos livros Centelhas poéticas (2020) e Psicoversos inversos sociais (2023). Tem participação em diversas coletâneas de poesias.

Livros autorais à venda. Contato no link: https://www.instagram.com/diversos_no_universo/















quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

BATALHA NAS PROFUNDEZAS

 



BATALHA NAS PROFUNDEZAS


Hoje tive um sonho. Mentira! Deixe de ser mentiroso porque você não dorme, e como é que você sonha sem dormir? Ele dorme, sim, mas sua vontade de mentir é tão grande que ele inventa que nunca dorme, assim como não toma água. Toma eu?!, perguntou a água fula da vida porque sempre atuou como coadjuvante de tudo, seja no mar, na chuva ou numa casinha de sapê dentro de um pote da boca quebrada. Precisa dizer que tenho a boca quebrada? Por que não diz que o único copo de alumínio também está assim? Mas eu sou mole mesmo!, nunca disse nada e agora só porque deixaram-me nessa situação de rachado vão logo publicar pelos quatro cantos do mundo que derramo água por cima da camiseta molhada daquela que só pensa em namorar. 

Foi a puríssima verdade o que o copo disse. A vontade dela de namorar era tão intensamente intensa que chamaram o medidor de pressão. O silêncio reinou quando o estetoscópio chegou para examinar quem só vivia suspirando e sonhando acordada. Se aprochegue doutor, disse o pai dela relatando que a moçoila nem gostava mais de cuscuz. O quê? É um crime a pessoa não gostar de cuscuz. Só pode estar doente. Deixe-me examinar! Dói aqui? É mais embaixo doutor, mas não dói, coça muito! Hummmmm. O remédio não tem na farmácia. Solte ela na balada que a solução vem. O doutor saiu apressado com medo de ser tentado pelos trejeitos da serpente enroscada no corpo da danada. 

O tempo passou como se era de esperar, até porque o tempo não para, e foi passando, passando... Já chega de falar o óbvio, continue!, gritou alguém dentro da barriga daquela que havia abusado dos rapazes da redondeza. Bom, logo nasceu aquele que falou há pouco. O menino nasceu escuro que só uma noite sem luar. Diga logo que era preto. Isso mesmo, o menino era uma exceção na redondeza colonizada por europeus. Mas quem era daquela cor no raio de cem léguas? Ninguém, responderam em coro as mães dos rapazes com quem ela coabitou. Só que alguém se lembrou do médico careca que veio examiná-la. Será que é por isso que o menino nasceu afro e sem cabelo na cabeça? Lá atrás era preto, agora só porque é filho do doutor vieram com essa mania de afro. Vai ter que pagar o hotel, disse uma das comadres agenciadoras do amor. Não é pagar hotel, é pagar pensão. Eu pensava que era a mesma coisa, hotel e pensão dava no mesmo. Fizeram uma procissão em direção ao consultório do cubano. Ô de casa! As cinco esposas do médico saíram no alpendre e pegue conversa tentando convencer a outra a vir morar com elas. Eu não, só vou querer a pousada dele. Pensão, voltaram a corrigir o deslize vocabular. E agora?, perguntou o escritor querendo saber qual o rumo da história. Te vira, responderam as personagens sentando-se no meio-fio e esperando uma reviravolta nos acontecimentos. Passou um dia, dois, e elas lá esperando por algo que nem sabiam o que era. 

Uma chuva cai bem, disse a água e foi logo convidando os pingos, trovão, relâmpago e muito vento. Assim é covardia, disseram as mulheres correndo para dentro da casa do doutor. Nessa entradinha, passaram cinco anos realizando o sonho do pai do menino de possuir um harém. E os maridos das mulheres? Concordaram em receber uma pensão e ficou tudo bem. Nunca vi um autor abusar tanto da palavra pensão, intrometeu-se um crítico literária aproveitando que não se deve ressaltar a cor dos personagens para evitar um processo de discriminação racial. Assim fica difícil de fluir com a verdade, respondeu o escritor mal-humorado e nem tanto fiel às novas formas de escrever. 

Com a falência financeira e o esgotamento físico do doutor, debandaram todas as mulheres, inclusive as cinco que habitavam na mesma vila com ele. Abandonado e carente, ninguém nunca mais se interessou em saber sobre sua vida, e então ele morreu. 

Como toda pessoa de bem, ele chegou ao céu. Nem mesmo sabia que havia morrido, e necessário se fez cair de um penhasco para desconfiar que estava bêbado, mas foi só desconfiança mesmo, pois alguém chegou e lhe contou dizendo que para ele ficar por ali tinha que comprar um par de asas marca anjo. Não tenho dinheiro, disse sem encontrar os bolsos. É, eu já sabia que mortalha não tem bolso. O que faço? Fale com o dono da sucata de asas talvez ele faça uma doação. São Benedito concordou em lhe emprestar o par de asas desde que ele não as usasse para fazer racha no pátio do lava pés. Dito e feito. Poucos dias de obediência foram trocados pela única ocupação digna de adrenalina naquele ambiente paradão que fora isso só restava tocar harpa. 

O dono da sucata de asas juntou seus ajudantes e foram recuperar as asas emprestadas. Não foi fácil Sansão pegar o desobediente depois da perseguição que envolveu voos rasantes e piruetas de fazer inveja à esquadrilha da fumaça. 

Desasado, o prisioneiro foi mandado diretamente para cumprir pena na concorrência. E aí, brother!?, vai querer um tridente? A mesma ladainha de não ter como arcar com a despesa de adquirir o objeto. E agora? Aqui não tem sucata. Ou compra um novo, ou vai sofrer espetadas no rabo o resto da morte. Eu pelo menos tenho direito a fazer o teste driver? Sim, aqui está. De posse do tridente teste, o doutor partiu para cima do chefe desafiando-o para uma luta que permanece ainda hoje tendo como resultado esse calor infernal aqui na superfície.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 15.02.2024 - 02h33min.




terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

FOI O VENTO QUE TROUXE

 


FOI O VENTO QUE TROUXE


Os espíritos estavam numa tarde regada a café e bolacha redonda papeando sobre quais as melhores opções para reencarnar. Acho que quero voltar sendo borboleta. Por quê?, perguntou um espírito que vivia tocando sanfona. Bem, acho que é a melhor opção de todas porque não preciso trabalhar além de poder admirar as flores, o céu... E o bico dos predadores, saltou de lá um espírito de passarinho. Você tenha cuidado com as garras do gavião, saiu em defesa do simpatizante da borboleta o espírito de porco. Risadas ecoaram na ponta da fila onde estavam esperando a nomeação específica. 

Havia muitos terminais como aquele cheio de almas mal-humoradas vendo a hora serem destinadas para tartaruga. Uma que havia vivido duzentos anos disse que ser tartaruga não é tão mal quanto aparentava ser. Claro que elas não sabem dançar funk, mas isso não as impede de ter lá seu lugar no livro dos recordes como o animal que mais vive. Mas isso é lá vida! Passar por ela nadando e nadando sem nem poder tomar cachaça, intrometeu-se um espírito de alcoólatra. Lá vem você se metendo onde não é chamado, retrucou um espírito de professora. 

Pegando os farelos das bolachas estava um espírito de formiga de açúcar daquelas bem miudinhas que enche o saco das donas de casa. Eu fui dona de casa e nunca tive problemas com formigas. Eu danava veneno... Ah!, então foi você que me matou. Deve ter sido, mas o que é que tem? Quando eu voltar vou continuar a fazer o mesmo. Calma aí, interferiu o gestor das almas. Vou colocar você como formiga e ela como dona de casa para ver se é bom. Ah, não! Não aceito porque tenho imunidade espiritual e só volto dentro do meu naipe de possibilidades, além de que aqui vigora o verdadeiro livre arbítrio. Só vou ser o que eu quero ser, e ponto final. Já que você tem ódio de formiga, que tal voltar sendo tamanduá? Não vejo nenhuma vantagem em trocar de lugar. Se eu fosse nomeada cachorro de madame talvez eu aceitasse só para poder ouvir as últimas fofocas e não ter que aturar um marido que lê jornal no sofá. 

Uma alma que chegava da viagem de viva lamentava-se de ter deixado o comando de mais de um milhão de operárias. Pior fui eu, dizia um ricão descendente de uma das cinco famílias de humanos que mandam no sistema financeiro mundial. Deixei fortunas nos cofres das instituições financeiras, no entanto você era apenas uma abelha rainha que não fazia nada além de procriar. E você apenas sugava o suor dos outros. Eu dei duro especulando no mundo inteiro. É, mas você não sabe o que é botar ovos sem ter tempo de colocar pomada para assaduras. Um espírito de farmacêutico disse que se voltassem juntos ele iria se preocupar em fazer uma pomada para as partes assadas das abelhas, porém o espirituoso Noé chegou dizendo que isso já existia no tempo que os bichos falavam, e que na sua arca continha, no saco de primeiros socorros, tal pomada. Isso é um absurdo, disse um espírito que preferiu não se identificar. Absurdo o quê? Essa conversa de pomada para as partes das abelhas. Não toque nesse  assunto senão os tradicionais vão achar que estamos apelando. É a mesma coisa de falar de um pé de pato, a diferença é que essa parte anatômica está relacionada com o feio e foi assim que surgiu a vergonha.

Lá no mundo espiritual isso nunca foi importante, por isso a conversa continuou de onde havia parado na voz do espírito de barba branca: muitos dos conhecimentos foram perdidos com a enchente, mas saiba que até existia um relógio no céu informando a hora e existia também um painel escrito pelas nuvens anunciando se ia chover ou não, ou algum tipo de peste se aproximando. Tudo era registrado no céu tipo uma lousa usada pelos arquitetos do planeta. Isso durou alguns anos até se esgotar a validade da terra e começar a deterioração. Isso é papo de alma penada que passou a vida inteira sendo palhaço no circo dos animais. Peraí, disse o espírito do macaco informando que não era palhaço coisa nenhuma, apenas pulava tentando ganhar bananas. Alto lá, alguém escondido por trás de um lençol branco falou que banana não tem espírito. Tenho sim, pois sou um ser vivo como qualquer outro. Nada disso, você não tem sistema digestivo e nem sente dor. Quem foi que disse? O problema é que nosso sistema funciona diferente dos animais e ninguém ainda descobriu onde é o nosso, entretanto isso não quer dizer que não temos. Uma conversa dessa só pode acontecer aqui no nosso mundo, já que no mundo material tudo tem que ser pesado e medido senão não tem validade. É por isso que lá naquela mesquinhez de mundo há tanta injustiça. Quem disse isso?, perguntou o leitor provando que tudo tem que ter uma organização para que ele possa continuar seguindo o raciocínio dos espíritos, inclusive colocando travessão para definir a mudança de interlocutor sob ameaça de abandonar a leitura. Não importa quem disse o quê, retrucou o autor, o importante é manter o fluxo de pensamento e quem quiser entender esse mundo espiritual, que se torne um dos nossos, contudo nunca deixemos o café esfriar. Que conversa mais sem pé nem cabeça, novamente o leitor de pronunciou sem entender mais nada. 

Nesse momento a sirene soou e todos os espíritos abandonaram a conversa fiada e foram se posicionar para a próxima leva de reencarnações. Na nota do autor, que também era um espírito, ficou registrado: ainda tem gente que não acredita nessa teoria proposta por Allan Kardec, e continuou para responder ao leitor dizendo que como existe conversa específica em cada grupo social, existe conversa de espíritos que só eles mesmos entendem. Entendeu?


Heraldo Lins Marinho Dantas

Guarabira/RN, 13.02.2024 - 07h14min.




PRA SUPERAR UM AMOR - Nelson Almeida

 


PRA SUPERAR UM AMOR


Como será se o amor chegar,

Antes do entardecer.

E me encontrar olhando o mar,

Pensando em você.

Para dizer, fora de hora,

Tudo o que me fez sofrer,

Como se eu fosse resolver.


Pode acontecer

De eu me afogar de amor, 

Renascer na mais fina flor.


Pra suportar o peso

Dessa história.              

Pra superar essa dor


Para guardar no bazar da memória

Tudo o que não serve mais.              


Pra superar o fim

Da nossa história,

Para atracar noutro cais.


Basta seguir o farol

Dessa estrada,

Que o próprio tempo refaz.


Para evitar abrir feridas do passado,

Que o sal do mar já cicatrizou.

Pra transformar a nossa história

Num conto de amor,

Canto terno pra essa dor.


Nelson Almeida. Carnaubinha, 12/02/24. 21:03.