quarta-feira, 9 de abril de 2025

ACAUTELAI-VOS

 


ACAUTELAI-VOS


Até parece a finalização de um namoro intenso quando se coloca o ponto final em um texto. Os adjetivos são as carícias, os verbos, movimentos cadenciados. Assim como os planetas giram ao redor do sol, as palavras, ao redor dos acontecimentos, giram da mesma forma.


Os atores continuam entrando em cena no palco do dia a dia, pisando de acordo com sua capacidade de deslocamento. Uns, descalços; outros, motorizados, mas todos correndo para desempenhar seu papel, decorado a duras penas, desde que o sol resolveu propiciar vida no planeta. Não adianta chorar. Amanhã, teremos mais combustível para o poeta transformar arranhões em labirintos mentais.


O tempo não passa, costumamos ouvir dos que permanecem esperando, na praça, os pombos chegarem. Outros dizem: "Como passa ligeiro!" Meu filho já é pai e há pouco brincava de calças curtas e joelhos ralados.


Pouco longe, um artista dedilha seu instrumento musical em busca de uma nota caída do bolso furado. Suas habilidades, adquiridas em noites claras, já não têm tanto valor; apenas mantêm a receita de teclas frias e ouvidos desocupados.


Hoje é mais um dia daqueles. Seu chapéu de abas curtas diz que ele é das antigas. A música, com a alma de um músico sem esperança, vai massacrando quem ainda acredita no despertar do mito da caverna para ir além das sombras.


Precisamos de conflitos para entreter a humanidade, dizem as cinco famílias que mandam no mundo. A poesia já não serve mais. Os desejos mudaram de endereço, e a casa assombrada foi transformada em lugar de visitação pelos fanáticos por algo além do pó. O exorcismo perdeu seu lugar de garoto-propaganda. As catedrais estão vazias ou transformadas em restaurantes. Tudo precisa ser destruído para se começar do zero. As amizades reais foram destroçadas pelas virtuais. É menos despesa manter milhares de imagens acenando do que comparecer a festas infantis, levando brinquedos em troca de um lanche contaminado de pressão alta, diabetes e gordura no fígado. Antigamente, não se falava nisso. Nem mal de Alzheimer existia. Era caduquice.


Na saída dessa noite, um homem espreita outro homem para lhe subtrair a subsistência. Uma esmola... antes de terminar o pedido, um "não" já vem acompanhado por um dedo complementar. Ambos ensaiaram aquele embate. Um pede, o outro nega. Um força, mas o outro não ensaiou a ferida aberta no peito. Animais matam não para comer a carne, mas para tirar o que está por fora dela. A selva está pronta para o livre acesso. Os predadores não precisam de árvores para se esconder; basta uma escuridãozinha para colocar um ponto final no derradeiro ato.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/09.04.2025 - 08h55min.

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