terça-feira, 13 de setembro de 2022

AFINAL, UM FINAL COMUM - Heraldo Lins



 AFINAL, UM FINAL COMUM


Conheceram-se na biblioteca central. Ela, na mesa redonda, fuçava as folhas de um autor que ele conhecia e isso o deixou com motivos sobrando para começar o diálogo. Não só pelo texto, mas porque ela, por si só, já era uma obra-prima.  

A mulher que varria desconfiou que ali "tinha coisa", notando um olhar de predador daquele que se aproximava. 

Lá nas cabines de leitura, nada digno de registro, fato que eu poderia ter deixado de lado, mas por vontade de enfeitar a cena, fica assim mesmo.  

Propaganda enganosa, tendo em vista que as cabines, para quem não sabe, fica em outra sala.  

Uma pessoa mais atenta na leitura pode até dizer que é um filme que estou querendo roteirizar, mas, sinceramente, nem sei em que isso vai dar. 

Essa ideia do leitor é boa. Um roteiro para cinema... Por que não?

Vamos adiante! No fundo das estantes, outras mocinhas angustiadas pensavam em escolher um livro para ir também para as mesas, pois sabiam que muitos dos rapazes daquela universidade utilizavam o mesmo modus operandi para se aproximarem, e como elas estavam doidas que acontecesse uma abordagem, nada melhor do que se fingir de presa com um livro entre os olhos. 

Na fila do refeitório... peraí! a cena não estava na biblioteca? Sim, entretanto esqueci de dizer que eles se conheceram e foram almoçar, cada um com sua ficha de casa de estudante na mão. 

A mulher de meia-idade, com a concha em seu poder, olhava, com desprezo, para aqueles dois leitores de Poesia. No almoço, o ritmo dos alimentos caindo na bandeja tinha que ser o mais rápido possível. Lá ele entendeu o ditado: “a fila anda”. Era melhor modificar para: a fila corre. Ele sentiu que era o momento de dar um encostada na bandeja da sua amiga recém-amiga. Tentou, mas poderia ser que derrubasse suas teorias de altruísta que dissera a ela ser defensor.  

Depois do beijo, saíram, cada um para sua aula vespertina. O abraço ficou coçando durante toda a primeira aula, estendeu-se para as demais, de forma que à noite fizeram amor por trás do campo de futebol, escorados na arquibancada. O escuro durante o esplendor do amor só não foi aterrorizante porque da escola de música chegavam acordes de piano.

Ofegantes, saíram para o refeitório. Lá estava a tediosa fila do jantar. Ele, dessa vez, ia à frente. Os corpos de outros colegas colaram em quem estava atrás dele. Os cabelos lisos dela, quando em quando, eram acariciados. Fazia parte do ritmo da juventude que gritava por liberdade.  

Ao passar pela biblioteca, na saída das aulas noturnas, eles se dirigiram novamente para o campo. Dessa vez o piano foi substituído pela sirene da guarda motorizada dando um aviso que os havia notado, mesmo assim, continuaram se cansando por várias vezes. 

O homem do carrinho de pipocas já empurrava para casa quando eles passaram, ela na frente com sorriso de satisfeita, e ele atrás, cambaleando. 

Pensou se aquela seria sua mulher pelas vinte e quatro horas seguintes, e deixou-se relaxar debaixo do cobertor. Ela já nem se lembrava mais qual o rosto dele, quando foi para a fila do café-da-manhã.  

O excesso de "estímulo" interior a fez ir novamente para a biblioteca. Hoje deve aparecer mais um com o mesmo querer, disse para si, esperando que não fosse ele, só que foi. 

A rotina do dia de ontem teve mudanças, ao invés do campo de futebol, escolheram as salas vazias do departamento de arte. Lá, o "senhorzinho" que abria e fechava as salas, concordara em deixá-los a sós em troca de um agrado, sem que ninguém fosse testemunhar contra ele.  

Os outros dois que haviam saído deixaram alguns erros pelo chão, mas isso não os incomodou. 

Depois da sala, tiveram a certeza que precisavam passar mais momentos juntos. 

Na formatura, lá estavam eles sonhando com uma sala sem o zelador por perto. Uma sala em que tivesse um quarto perto, banheiro, pia, mas jamais queria chamar de casa ou apartamento. Na mente deles, tudo era esfacelado. Depois de alguns esfacelamentos amorosos, recorriam ao campo, à biblioteca e à sala com vigia sorridente, para dar um gás na relação. 

A jovem barriguda agora saía de casa para deixar seu tempo em uma repartição. O tédio em passar oito horas digitando o que não era do seu interesse, só era suportado pela justificativa de ter dentro dela alguém sendo montado. 

Sentados na sala, o casal assistia aos vídeos ensinando quais os cuidados que deveriam tomar quanto ao ser que estava vindo. Só isso. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 13.09.2022 — 08:28



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