segunda-feira, 18 de julho de 2022

ENROSCADO - Heraldo Lins



 ENROSCADO


Entra no túnel das dúvidas em direção ao patrimônio das informações. Nessa viagem, os avanços são medidos em lembranças sem o tempo para atrapalhar. Estaciona e sai para observar suas vivências penduradas, iguais a morcegos dormindo. Aqui e acolá um se desprende e ele sai atrás em uma verdadeira correria no labirinto do imprevisto. Nessa busca em encontrar o nascedouro dos pensamentos, tropeça na ideia de que seria bom que quando sentisse frio bastaria pensar no fogo para se aquecer. Quando, com calor, água, assim, tornar-se-ia imune às variações das escalas termométricas.  

Uma lembrança saiu voando e nela estava registrado um sentimento de humilhação em não saber tudo. Percebeu que havia muitos espaços prontos a receber novos conhecimentos, e isso só não acontecia porque a preguiça impedia de serem preenchidos. Correu para longe daquilo sem nem mesmo escutar o barulho dos seus pés pisando o chão. Lembrou-se que já ouvira gritos, música, mas ao se lembrar dos sons eles não estavam sendo reproduzidos, então, a tese de que o cérebro não consegue fazer a distinção entre o real e o imaginário passa a ser mentirosa. 

Parou ao lado do paredão que contém os nichos de algumas boas lembranças e percebeu que estão poucas, isso logo foi explicado ao testemunhar um outro guardião, o do pessimismo, jogando-as fora no mesmo estilo do guardião da preguiça. 

Ficou fazendo experiências quanto ao posicionamento do corpo e percebeu que nem pancadas na cabeça têm influência nas imagens que foram fixadas pela primeira vez. Seu padrão de pensamento não tem forma definida, por isso deixa de ser padrão. A própria forma já é disforme, sendo assim, as lembranças tornam-se disformes e quem as possuem, também. 

Ele precisa dar uma roupagem nova aos seus traumas, embelezá-los e transformá-los para poder digeri-los. Essa viagem ao centro da sua essência acontece no momento de esvaziamento. Tão bonito dizer isso, mas não é nada agradável saber que a memória não envelhece nem se modifica deixando as lembranças traumáticas sempre novas e atuantes. Mesmo tendo essa concepção, aproveita o passeio para averiguar se há um fio de desconfiança, e se tem, deixa estar porque a única verdade é a dúvida.  

Precisa fugir, mas por mais que fuja sempre se encontrará. Está impregnado do cheiro abafado da angústia, ficando, assim, difícil quebrar o vício de agir como ser pensante. É proibido ficar à toa, diz suas necessidades básicas. A lei corporal o impede de relaxar, e o eu passa a ser guiado pela boca devoradora de apetites, transformando-o em um ser escravo de água e comida. A lei dos homens é só um paliativo para igualar todos, inclusive, os que se revoltam, ecoa outro pensamento ali perto.   

Gostaria de sair perfumado de liberdade, mas ele já sabe que essa fragrância vem em frascos minúsculos e raros. Não há como ser diferente dentro daquela masmorra onde está metido. Pergunta-se se todas as pessoas são assim, mas não obtém resposta porque o dia vem amanhecendo e trazendo a destruição em forma de claridade. O mundo acorda para o barulho. Acordem todos para morrer!, diz o sol rindo, e ele vai saindo daquele transe prometendo que amanhã estará de volta, quem sabe, com dúvidas, problemas e erros prontos para mastigá-los na madrugada e cuspi-los ao amanhecer. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 18.07.2022 – 07:56



2 comentários:

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