RETORNO INCONSCIENTE
Suas indecisões bateram na essência da leitura.
— Por que se lê tanto e não se fica saciado? — perguntou-se.
Todos os dias, ele inventava formas diferentes de ler. Tentou, utilizando o ritmo da respiração, acompanhar com mais simpatia a ideia conduzida em cada momento em que os olhos captavam a sequência em que as letras estavam arrumadas. Seu foco era desfocado, como o barulho de uma moto levando-o a pensar no entregador de pizza, num playboy desocupado
num professor com a mochila nas costas, olhando o relógio para não chegar atrasado.
— Por que você esconde o conhecimento do meu consciente? — perguntou à própria mente, tentando perceber se o enredo estava realmente oculto ou apenas esperando o momento certo para se revelar. Era um longo jogo de gato e rato, até que a engrenagem que move as lembranças começou a dar sinais de vida.
Deixou os pensamentos se acomodarem. A leitura, antes um esforço, passou a fluir por dentro dele sem resistência. Cada palavra encontrava uma fenda onde se encaixar, limpando, com novos significados, o que já havia sido instalado. O sentido surgia num movimento constante que não dependia de controle.
A mente começou a se acalmar diante das frases, com o entendimento se rearranjando de forma que já não precisava de tantas pausas para compreender.
Continuou lendo até chegar ao nível em que tudo permanecia dissolvido entre letras. As linhas perderam fronteiras. Ele já não lia: era lido. As palavras o atravessavam com uma nitidez que vinha do espírito. As sílabas ecoavam num ir e vir que lembrava ondas do mar.
A história seguia com relâmpagos de lembranças antigas. Os personagens surgiam, diluindo-se em seus atos — e ele vibrava num mesmo campo, vendo, ouvindo, sentindo a história por inteiro, com sutis explicações que mal davam para ser assim nomeadas.
A cada parágrafo, uma nova respiração do mundo, que ele aproveitava para viajar, pegando carona sem sair do lugar, seguindo o ritmo que pulsava por trás de cada personagem. O texto o envolvia e o conduzia para lembranças antigas, onde o ato de ler e o de existir se tornavam o mesmo — nessa reeleitura de O Grande Gatsby.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 25.10.2025 — 05h25min
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”