sábado, 30 de abril de 2022

SER FELIZ VICIA - Heraldo Lins

 


SER FELIZ VICIA


De olhos bem abertos, encostou a testa na parede branca. Seu intuito era transferir para dentro do cérebro o que estava vendo e, com isso, substituir lembranças desagradáveis que teimavam em ficar. Queria por que queria poder dizer que "deu um branco", que havia esquecido tudo de ruim armazenado em sua cabeça: acidentes, doenças, assassinatos... Isso se dava porque percebeu que estava sendo um morto-vivo, hipnotizado, constantemente, por imagens abastecidas pelo celular. 

Todas as noites, direcionava o olhar para a parede, entretanto, de madrugada transferia sua atenção para o mar e o céu, aos poucos, clareados. 

Mas não tinha jeito! Enquanto olhava para as nuvens, via, nitidamente, bombas atômicas caindo de aviões. As imagens vinham sem seu controle, iguais às bombas reais. Baixando a vista, direcionava sua atenção para o mar, e, nesse momento, vinham-lhe imagens de mísseis lançados de submarinos, ao mesmo tempo que sentia os raios do sol levando-o para a sombra do silêncio.

A maior prova de estar vivo era de que podia sentir mais dores de que prazeres, mais tristeza de que alegria, mais dúvidas de que certezas. Mesmo algemado nessas lembranças, sua luta permanecia correndo atrás do perfeito bem-estar.

Para não ficar somente ao redor de contas a pagar, resolveu se divertir com o sofrimento, não o dos outros, mas o dele, e, para intensificá-lo, achou por bem se atirar de escada abaixo, fazer jejum e, ainda, segurar a bexiga algumas horas a mais.

"É pra se lascar e achar graça", já que nasci assim, assim será, expressava-se com uma mistura de angústia e raiva. Esse desespero não era gratuito, mas advindo de conclusões de um homem que se sentia bebendo o chá da amargura em tudo que fazia.  

Já chega, dizia enquanto batia com a cabeça na mesma parede, dessa vez, ensanguentada. Nessa busca pela dor, tristeza e desconforto, descobriu o que tanto procurava: A felicidade. Essa descoberta teve sua essência no "conhece-te a ti mesmo". Descobriu que era um ditador travestido de humilde, por isso, tudo que acontecesse com ele, ou à sua volta, deveria ser manifestação das próprias decisões, influenciadas pelo ego inflado.

Queria ter todos sob seu domínio, mesmo tendo um comportamento Blasé que o afastava de uma vida social equilibrada. O ímpeto, norteando suas ações em busca de dores, também estava fundamentada na ideia de que ninguém vive sem problemas, então, é melhor provocá-los de que morrer de ansiedade esperando-os, inocentemente.

Logo pela manhã, ao fazer o café, queimava-se. Passava meia hora colocando mamão gelado em cima, e quando passava a dor, sentia o prazer do conforto de não estar sofrendo com a queimadura. 

Ao sentir sono, deitava-se no quintal, ao relento, em cima de pedras, depois, passava para a areia, e só mais tarde é que ia para a grama. Quando o frio arrochava, cobria-se com folhas de bananeira até ouvir o despertador chamá-lo para ser feliz na confortável cama de casal.

Na sua cabeça, era como estivesse melhorando de vida, expandindo-a paulatinamente, começando sendo um sem-teto chegando à condição de alto bilionário em poucos minutos. 

Ao descobrir para que servia a teoria da relatividade, ficou utilizando-a de forma progressiva a ponto de se viciar nas dores da felicidade. 



Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 30.04.2022 – 07:31



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