quinta-feira, 28 de abril de 2022

A CHATA - Heraldo Lins

 


A CHATA


Eulália encontra defeito em tudo, principalmente, nas pessoas. Evita encará-las para não ficar com ânsia de vômito, pois sua aversão a assimetrias é tanta que não se casou até hoje porque só encontra gente feia. Depois de certo tempo, expandiu sua meta em aceitar mulheres no rol de relacionamentos. Para ela, é melhor ser censurada de que viver apenas procurando masculinos bonitos, mas, mesmo misturando tudo, não consegue suprir sua necessidade básica de estar com alguém totalmente simétrico. Depois de alguns dias juntos, começa a procurar uma mancha na pele, uma verruga no tornozelo, um dedo torto, uma unha encravada, caspa, qualquer desalinho já a deixa sem dormir, e, por não aturar a imperfeição, abandona-os sem o menor remorso.   

Recentemente, seu maior desgosto foi descobrir que no apartamento que comprou, havia uma parede com um milímetro fora de prumo. Mandou derrubá-la, ou melhor, ela mesma a derrubou enquanto passava a raiva. O pedreiro foi lá só juntar a metralha e colocar fora.  

Semanas atrás, foi jantar com seu subordinado, e, ao se dirigir ao restaurante do hotel, um recepcionista veio correndo dizer que só a partir das dezenove horas é que poderiam adentrar ao recinto. Ela, de imediato, verificou que havia se antecipado em apenas dois minutos, então, o idiota, como ela mesma definiu, foi até ao garçom perguntar se já estava liberado, sim, podiam entrar. Eulália procurou o gerente oferecendo uma proposta para comprar o hotel com o intuito de demitir aquele funcionário incompetente. 

Eulália sempre foi curta e grossa, e em entrevista concedida a um, nas palavras dela, lascado repórter imbecil, disse que esse jeito objetivo de ser, ela havia aprendido lendo revistas em quadrinhos de Tio Patinhas. Admira o jeito que o personagem trata seus primos Peninha e Pato Donald na redação do jornal, inclusive, fez uma piscina cheia de moedas para imitar seu personagem preferido.

Ela, quase todos os dias, janta em locais diferentes com o objetivo de encontrar falhas, e, para se ter uma ideia, entrou em um restaurante só para dizer que não iria jantar ali porque havia, na rua em frente, um buraco no asfalto e um poste sem a lâmpada acesa. 

Mesmo com essa impaciência herdada do seu vizinho, que dizem ser o seu legítimo pai, Eulália coleciona amizades em que a brincadeira preferida é mão no bolso. Para quem não conhece a brincadeira, de gosto duvidoso, saiba que se trata de meter um murro nas costas do amigo que não estiver com a mão no bolso. Eulália adora essa brincadeira, e já podemos até perceber que ela não usa nem vestido nem saia. 

Certo dia, disfarçou-se de homem barbudo para chegar perto de um amigo corretor. Quando ele estava distraído mostrando o imóvel, ela sapecou-lhe um murro tão grande nas costas que o coitado veio a óbito. No velório, todos os participantes da brincadeira compareceram achando que o defunto estava sem as mãos no bolso, mas saíram frustrados de lá por não conseguirem esmurrá-lo.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 28.04.2022 – 05:53





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