segunda-feira, 2 de maio de 2022

SIGNIFICADOS COLORIDOS - Heraldo Lins

 


SIGNIFICADOS COLORIDOS


Levantar-me-ei assim que encontrar uma boa ideia na gaveta das sombras, disse o preguiçoso. Seu trabalho consistia em tirá-las e costurá-las juntas a outras que faziam parte do lençol da vida, sendo que cada ideia surgia com uma cor totalmente diferente, porém, com medidas ajustadas ao padrão de milionésimos de segundos. 

O lençol vinha sendo costurado há mais de três décadas ininterruptas. Não tinha como esquecer a tarefa, mesmo o alfaiate sendo pigérrimo. Suas lembranças andavam capengas quanto às cores colocados no início do trabalho. Apenas tinha consciência que o tamanho permaneceria o mesmo, infinitamente.

Apesar de o sol impor dias mais longos e, em certas estações, o oposto, os recortes jamais seriam influenciados por essas mudanças, inclusive, permaneceriam imunes à curva da luz, tanto quanto aos buracos negros. Isso o tornava cônscio de que estava trabalhando igual a Hércules, independentemente de sua disposição. 

Mesmo dormindo, seus mandarins continuavam articulando o processo imaginativo. Esses funcionários, requisitados pelos cinco sentidos e orientados pelo sexto, recebiam informações diretamente da fonte produtora, sem cansaço nem fadiga, o que o deixava com tempo para apreciar cada momento do ócio criativo. 

Quanto mais passava por momentos bons, mais cores claras e vivas apareciam na sua obra-prima. Ficar isolado da muvuca do dia a dia, deixava-o contente, por conseguinte, vermelho vivo era costurado à colcha. Marrons e cinza-escuros fixavam-se, com mais intensidade, quando ele precisava aguardar sua vez em filas, e quanto mais potencializava os problemas, mais a colcha tornava-se suja e encrespada. 

Passar o ferro quente tentando desamassá-la, ou mesmo maquiar a cor já fixada, servia apenas para desviar-se da verdadeira essência do lençol, por isso, começava a prestar mais atenção ao resultado da superposição de cores, com o objetivo de detectar fakes humanoides. 

Os imprevistos, causadores de cores "catacúmbicas", tornavam-se objeto de estudo por vários dias. Analisadas e encontradas as soluções, partia para se expor aos imprevistos. Até nas atividades que mais gostava de praticá-las, notava uma pequena mancha preta denunciando suas imperfeições. Nas piores experiências, o branco, em pequena quantidade, surgia para indicar que havia como reverter o quadro, bastava observar, cuidadosamente, por baixo da cor recém-fixada.

Protegia-se das cores fúnebres se trancando em seu multiverso de combinações, mas o resultado requeria uma concentração exacerbada até ao colocar água em um copo. Media a força com que pegava a jarra pensando na inclinação exata para não encher o copo em demasia. Esses pequenos detalhes visavam, tão somente, trazer para a colcha, cores da cor dos acertos. Às vezes, conseguia reverter as cores escuras que representavam erros, entretanto, somente acontecia quando, humildemente, perdoava-se.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 1º.05.2022 - 15:15



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”