segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

FILOSOFIA RETILÍNEA - Heraldo Lins



 FILOSOFIA RETILÍNEA


O ângulo reto está no encontro de duas paredes, no formato da porta, na quina do fogão. O reto sempre foi e sempre será uma criação artificial, enquanto o redondo, uma criação natural. Há muitos agricultores produzindo melancia quadrada só para valorizar o reto, mas por convenção, melancia é e sempre foi redonda. Essa escolha pelo reto vem da facilidade que sentimos em fazer uma janela quadrada em detrimento de uma redonda. No caso da melancia, serão necessários mais mil anos de construções filosóficas para aceitar esse novo conceito.

Dar o redondo é seguir uma trajetória já conhecida, apesar de quase ninguém conhecer essa expressão. Se a pessoa, todos os dias, segue a mesma rotina casa/trabalho/trabalho/casa está dando o redondo e nem sabe, por isso, o aparecimento de angústia em ir trabalhar. Nesse ambiente todos estão dando o redondo, alguns sorridentes e outros nem tanto. Os sorridentes são os conscientes da sua doação como objeto do redondo, os outros os são, mas não têm consciência.  

A natureza despreza o reto, é tanto que quase não se vê esse ângulo formado naturalmente. Os troncos das árvores são arredondados, folhas, galhos; olhos, cabelos, dedos, inclusive os orifícios, apesar dos disfarces, na sua origem,  são arredondados.

A lógica da natureza é ser redonda tendo seus maiores representantes o átomo, a célula e o pingo d’água. Mesmo a torneira sendo uma construção cultural, nunca a vi pingar quadradinhos.

A cultura humana baseia-se no esquadro, e é aí que reto e redondo se misturam para confundir a humanidade, lembrando que nunca existe um reto redondo nem um redondo reto. São distintos, cada um com suas características próprias.

Mesmo que um redondo se enfie num reto, não deixa de ser um reto arredondado. O exemplo é um canto arredondado. Quando há uma esquina, nunca se precisa acrescentar que a dobra dela é reta, porque esquina curva não é esquina. O mesmo acontecendo com um pau. Pau que é pau é arredondado. Se um pau for reto, passa a ser trave. A exemplo, o caibro natural é arredondado, o artificialmente produzido, é retangular.

Quando se quer fazer uma aeronave, pensa-se na aerodinâmica do redondo para se adaptar ao vento que, junto com a água, adoram transformar um reto num redondo. Quando o objetivo é o conforto, pensa-se nas formas retangulares das camas, e não no redondo das bolas. Nem sei por que bola foi parar em cima da cama, mas na filosofia vale tudo.  

Seria uma desumanidade pensar no sofrimento de uma galinha se o ovo fosse quadrado. Na hierarquia das formas, a bola está um degrau acima do ovo. Diz-se que fulano está com a bola toda, mas nunca se diz: fulano está com o ovo todo. Quando se quer dizer que uma bola é de segunda categoria, pergunta-se com ironia: isto é uma bola ou um ovo? Coitado do ovo! nem para bola serve.

Quando a pessoa não tem cintura dizemos que é uma pessoa quadrada; quando é tradicional, que não sabe pensar fora da caixa. São termos que utilizam, na sua essência, o ângulo reto para desmoralizar o possuidor. Só há um lugar que os dois conceitos se juntam harmonicamente: é numa mulher reta com muitas curvas. 



Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 13.02.2022 ─ 18:35


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5 comentários:

  1. Muito bom, Heraldo. Filosofia e humor na medida certa. Parabéns! - Gilberto Cardoso dos Santos

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  2. Juro que pensei que essa reta toda fosse findar numa terra plana.
    Muito bom. Essa expressão "Dar o redondo" aqui no nordeste tem outro significado menos filosófico e mais escatológico.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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