quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

O CANTO DA ACAUÃ, A SECA NO SERTÃO. - Jair Elói de Souza

 


O CANTO DA ACAUÃ, A SECA NO SERTÃO

No sertão antigo, quando se ouvia o canto triste e sinistro da acauã, empoleirada num velho angico desfolhado, no baixio de Joaquim de Amália, caminho da Cachoeirinha, a um passo de ema do fechado da honrada Tia Baé, batia o desespero. Grassava a década de l950, e já se vivia as tardes em que setembro tinha recebido a primavera, onde decenários ipês amarelos faziam o destaque com sua floração.
O juazeiro, naquela sequidão e mundaréu esquisito, buscava as últimas reservas d`água que recebera na quadra chuvosa passada, e num esforço incontido dava início a rebrota e sua estação das flores. O sertanejo temente a Deus, e mais ainda ao Padre Cícero Romão, punha as mãos para o céu e começava seu rogatório.
Esperava alguma notícia das terras do Piauí. Mas, apenas chuvas de manga, escassas, de trecho minguado, eram os informes dos tangerinos, que se penitenciavam conduzindo gado comprado, pelos fazendeiros do Seridó poente, uma prática comercial e aquisitiva em razão do baixo preço, e da necessidade de repor os rebanhos desfalcados pelas vendas para o mercado do Recife, destacando-se nesse ofício o serranegrense Artéfio Bezerra da Cunha.
Naquela estação, finzinho do ano de l957, a gadaria consumia o pasto seco, e tinha um baita refrigério nas capoeiras de algodão, colhendo a crueira, a catemba e a própria rama, quando situadas nas terras de baixio massapesadas. Chegam as festas de fim de ano, raros são os casamentos, pois, não havia certeza de inverno na próxima quadra.
Rompe dezembro, mas as chuvas não aparecem no semi-árido nordestino. No Piauí, apenas chove no sul, beiral com o Estado de Goiás então, hoje Tocantins, região do Vale do Gurguéia, um dos maiores lençóis freáticos (subterrâneos) do mundo.
Convém ilustrar que a configuração do inverno nas terras do sertão em todo o semi-árido nordestino, obedece uma simetria cronológica. Primeiro, as pancadas de chuvas no Piauí, com início na última lua do mês de outubro, se consolidando a estação do plantio por todo período novembrino, para atingir os Cariris novos e o Araripe no Ceará, por ocasião das festas de fim de ano.
Daí seguindo janeiro com chuvas já em solo potiguar quando bate as portas com ventanias chuvosas no auto-oeste, depois médio oeste, Seridó, trairy-agreste e por fim atinge a pancada do mar na silhueta canavieira. Em síntese esse é o caminho das chuvas no solo nordestino.
No início de l958, um velho manco, gangorrando em seu andar arrastado, trajando uma lordeza inimitável, roupa de linho “S”-120, branca, sapato em verniz marrom, chapéu de massa marca prado, contrastava com as notícias que trazia no seu almanaque para aquele ano. Não havia mistério: o canto sutil, compassado da velha acauã vaticinava seca recrudescida nos sertões do Seridó.
Era esse escriba ainda um infante, seis primaveras completadas no abril, que não foi chuvoso. A estação da oralidade se concentrava na casa de Chico Lixeiro, canzenza legítimo, com direito a café coado na hora pela generosa Nazinha, um primor de bondade.
Os habituês daquela rica estação de conversas eram: Themístocles Cavalcanti, meu padrinho, o mais jocoso, também pudera, tinha como mestre seu parceiro da faina pastoril o dono da casa, pois, eram unha e carne, inseparáveis; Artur Ambrósio, viúvo, paleador de primeira, lordeza sobrava; Sabino de Chico Raimundo, e o mais irreverente e de tutano reflexivo, Chico Eloi, uma enciclopédia ambulante, o tutor intelectual desse signatário, resina do mais puro sabor da sabedoria popular, meu avô paterno.
Naqueles tempos, a iluminação era gerada por motor a diesel, oito e meia da noite, dava o sinal, nove horas, apagava. As noites eram escuras, uma negritude de quixaba madura. O céu um santuário de estrelas candentes, onde se destacava o planeta mercúrio, voraz no seu reinado, para com o Nordeste. Segundo a crendice popular, proibia São Pedro de mandar chuva para o cinzento e não deixava que a mãe de Deus baixasse a mão, trazendo chuvas para o sertanejo.
Estamos na hora vesperal da nossa quadra chuvosa, no semi-árido nordestino. Os sinais são de possibilidade mediana. O fenômeno la nina (baixa temperatura nas águas do Pacífico), permanece. Inibe o nosso maior inimigo o El niño, (temperaturas altas no Pacífico) que não permite a formação de chuvas (cúmulos-nimbos: – nuvens densas e cinzentas escuras), que ofertam chuvas a qualquer hora.
É uma mazela a menos para o criador. No entanto, esperemos que a água do oceano atlântico saia da sua friagem, se aqueça, e passe a consolidar a formação de nuvens carregadas, ajude na manifestação da Zona de Convergência, acima da Linha do equador, para que tenhamos um refrigério de inverno.
Tiro notícia da Chã da Graúna, o meu feudo na Borborema potiguar, que a acauã está silente, seu canto sutil, compassado não está sendo ouvido. Para uns, isso significa uma mudez em melancolia, a estiagem longa, a faz refém de dissipar o tempo limpando sua penugem empoeirada.
Para outros, ante a rebrota e floração exuberante dos juazeiros, o que é uma evidência nas terras do Sertão, cria nesta ave e no seu caráter de maior expectador da cena sertaneja, uma leitura instintiva de que sua penugem gasta será lavada em breve, com as chuvas redentoras, para amenizar o longo penar das gentes e dos inocentes animais neste torrão nordestino.

Jair Eloi de Souza (escritor, educador e advogado)

Um comentário:

  1. Acauã agorou é pouco inverno, anum preto chorou a chuva vem, parabéns pelo belo texto.

    Hélio Crisanto

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