quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

SENSIBILIDADE METÁLICA - Heraldo Lins

 


SENSIBILIDADE METÁLICA


Os acontecimentos falam por si. Bater com o dedo mindinho na quina da cama quer dizer: olhe para os de baixo, seja mais humilde e respeite quem dorme no chão. É uma voz levantada da revolta de quem nunca passou de quina, e, por isso, temos que ter cuidado com essas reivindicações. 

A quina muitas vezes nem pode dormir direito com tanto sacolejo da cama, e isso um dia chega ao limite. Todos temos nossos limites, e com a quina não é diferente. Ela fica esperando um momento de falar, e como não deixamos, ela seduz o dedo para se encontrarem sem que saibamos desse encontro. A quina, por ter já aprendido a arte da sedução, seduz o dedo que vem com tudo para cima, e o resultado são os tão conhecidos “ai, ai, ai”! Só a partir daí, é que passamos a prestar mais atenção no suporte do colchão.

Com a correia da sandália não é diferente. Quando ela se parte, em plena avenida, está dizendo que precisava se aposentar mais cedo, e por não terem agilizado a documentação há tempo,  causou esse mal-estar à madame, como forma de vingança. Todos os dias, a tira sustentava aquele pé "chulerento", e nem pagavam adicional de insalubridade. 

O solado dizia que com ele era pior. Passava em cima de poças de lama, lixo, e nem reclamava. A correia replicava que ela tinha estudado, e por isso sabia reivindicar seus direitos. 

A madame, de imediato, pensou em cortar as verbas da educação para que as correias nunca mais se quebrassem, tentando, com isso, obter melhor condição de vida para os seus que usam sandálias e precisam das correias funcionando.

Se prestarmos bem atenção, veremos que tudo está relacionado. Para entender o que a louça suja, em cima da pia, está querendo dizer, é preciso reunir toda a família e discutir esse acontecimento, inclusive, com as crianças. Quem sujou lava, ou lava-se em forma de rodízio, ou quebra a louça suja e coloca os cacos no lixo, mas uma solução tem que ser apresentada à louça, afinal, não foi à toa que ela levou fogo no fundo. 

Precisamos dar o devido valor a quem realmente tem. O que seria de uma sopa sem uma panela para cozinhá-la? Nesse preparo de fogo no rabo, há sujeira pedindo sabão, e se ninguém ajudar nessa tarefa, a panela será discriminada de forma humilhante: quando chegar visitas, ela vai ser trancafiada no armário.

Aqui em casa, uma barata correu da cozinha para o quintal. Dizem que quando a gente notar um bicho correndo, devemos correr atrás. Os irracionais detectam, bem antes de nós, catástrofes prestes a acontecerem. Foi o que pensei. Saí correndo para o quintal fugindo de um suposto tsunami. Minha mulher está avisada que quando me vir correndo, corra também, porque o perigo ronda nossa residência. Foi o que aconteceu: ela saiu em disparada, as crianças, por sua vez, vieram atrás.

Tivemos sorte porque o portão do muro, que dá para a estrada, estava só encostado, e poucos minutos depois estávamos todos correndo no asfalto. Ainda bem que um urso veio dizer que era alarme falso. Voltamos todos, e eu ainda tive que empurrar a cadeira de rodas do meu sogro que vinha nos seguindo. O urso não pegou nenhum de nós, mas foi muito gentil em nos lembrar que morávamos a centenas de quilômetros do mar, e a probabilidade de sermos atingidos por maremotos é, praticamente, zero. 

A consciência de estar interligado com tudo e todos que existe no mundo, é que me deu essa capacidade de observar um carrinho de feira rejeitado por mim. Por não estar precisando dele, resolvi expô-lo à venda. Comecei estipulando o preço em noventa. Passei dois meses respondendo às propostas, e a pessoa que se comprometeu em comprá-lo por trinta, desistiu. 

Todos os dias, quando alguém perguntava se ele estava em perfeito estado, eu respondia que sim, apenas tinha um problema com ele de não querer mudar de dono. Já o havia levado ao psicólogo e ele insistia que dali não sairia. Resultado: tive que guardá-lo no depósito e apagar os anúncios publicados. 

Ele nem sabe, mas estou negociando a sua venda de forma sigilosa. Sei que ele vai me chamar de covarde, mas o que significa um carrinho de feira numa greve de caminhões."Tô nem aí"!

    

(*Lembrem-se: esse texto não tem nada a ver com a figura de vice)


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 14.02.2022 - 10:43



Veja a crônica no Youtube:



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”