domingo, 12 de agosto de 2012

PANANANA: SANTACRUZENSE, TRAVESTI, RÉU, VÍTIMA E MUNCTHU MACTHU - Nailson Costa

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“Caba sem veigonhe!”, explodia de raiva João Luca, velho morador da praça Cel. Ezequiel, quando da passagem de Pananana em sua calçada . Como um raio, Pananana saía da sinuca de Lindolfo e abaixava a calça-pijama que usava quando via João Luca (Sr. Já de idade, presepeiríssimo a ponto de autodenominar-se de Papá, gordo, às vezes ranzinza e muito prestativo ) sentado numa enorme cadeira de balanço à beira da porta aberta de sua casa a cochilar, a babar, a peidar e a arrotar alto pra que todos tivessem a certeza de quem mandava naquele pedaço. Os jipeiros-taxistas sabiam fazer a infelicidade do Papá, ou Pé-Roxo, o apelido que detestava, e ainda tinha o de Barrão, por expelir abundantemente por baixo e por cima seus mais perfumosos gases. E seus algozes não deixavam o Papá em paz, vivendo diariamente a grunhir cuchi, cuchi, cuchi em tudo quanto era lugar, inclusive no cinema Santa Rita, quando de sua entrada triunfal com aquele caríssimo e mal cheiroso sombreiro havaiano, momento em que se ouviam sinceras, grandiosas e uníssonas ovações em cuchi cuchi cuchi cuchi ao Barrão, ou melhor, Pé-Roxo, quer dizer, Sr. João Luca . Pananana não, ele verdadeiramente respeitava o velho, apenas tirava sua calça-pijama e, de maneira mui respeitosa, cumprimentava-o, com sua imensa bunda branca. Pananana era galego-branco-sarará, escandaloso, veado, travesti , cozinheiro, violento e, do alto de seus quase 2 metros de altura, vestia-se constantemente de mulher, não porque desejasse ou invejasse essa feminilidade. Ele nem a tinha e não vivia artificialmente esses tão lindos trejeitos de fêmea, simplesmente porque ele era macho. Isso mesmo, muncthu matchu! Ficava por demais óbvio que suas tão malfeitas encenações femininas, bem como seu violento comportamento, eram a sua mais notória linguagem de raiva de uma sociedade incomensuravelmente hipócrita. A galera do cacete, do pau de dar em doido da época, tipo Tõin de Toco, Miguelão, Zé da Besta Fera, Nego do Cu Cagado dentre outros acabadores de forró da época, num se metiam a besta com Pananana não! Este era, na mais pura acepção do termo, de baixar o pau mesmo! Andava constantemente com a sua machadinha antenada, não podia ver um boyzinho da alta sociète que dava em cima, e ai dele se não lhe fizesse os gostos, baixava a machadinha, o cacete, a chibata e etc e pau. E esqueci-me de dizer que Pananana era trabalhador também, além, é claro, de viver derrubando jovens árvores de boas famílias, inclusive, com sua machadinha ( melhor seria nominá-la de machadão ), obrando sempre em tocos e paus variados – o cara tinha um grande sonho: ser cozinheiro na casa duma tradicional família daqui de S. Cruz, o que fora veementemente repudiado e reprovado pelo então coronel chefe da casa. E isso se deu ainda quando ele era adolescente, e talvez tenha sido essa homofobia declarada a razão de suas constantes e violentas erupções vulcânica de pura ira . Pananana não era flor de bom cheiro, mas estava muito à frente de seu tempo. Seus altos tamancos coloridos, seus brincos argolados, seus cabelos pintados com água oxigenada, suas cabeladas rápidas e sua insistência em fazer um grande desfile gay no centro da cidade (não admitido em hipótese nenhuma pelas carolas e o pároco locais) lhe renderam muitas prisões, mas nenhuma se deu via Cabo Miguel e o soldado Andorinha. Era a Rádio Patrulha de Natal a responsável por tão perigosa diligência. Pananana vivia nômade em sua terra, desaparecia do nada e do nada surgia para tentar realizar seus dois grandes sonhos, o do deslife,- mais tarde realizado no cabaré de Maria Gorda com as quengas de lá e seus fiéis escudeiros , Chico de Cãinda, Tereza Cabeção de Japi, Núbia Lafayete e alguns outros que não me recordo, pois era eu muito criança ainda naquela época – e o sonho de cagar dentro do pote da água de beber do Bar Engole Brasa, tradicional ponto de encontro da alta sociedade santacruzense, não realizado por ter sido o Bar fechado em obediência a uma ordem policial do Delegado-Capitão da época (1972) segundo a qual um bar que serve água de merda a mais pura fidalguia santacruzense, causando-lhe grandes infecções intestinais e boguianas, não pode ter as suas portas abertas. Pananana queria apenas ter tido a honra de realizar esse outro grande sonho. Não o teve. Ele tinha um caráter irretocável. Não era hipócrita. Foi embora de S. Cruz para nunca mais voltar, simplesmente porque não admitia que os bogas limpinhos e tratados a papel higiênicos comprados nos grandes supermercados de Natal, contrariamente aos dos plebeus, tratados com papel de embrulhar pão, jornal de ontem, cartão de caixa de sapato, sabugos e folhas de carrapateira, tomassem seu lugar nas mais badaladas fofocas do Bar do Ponto, das sinucas de Lindolfo e de Chagas Farias, do Trairy Clube ou nas belas canções de Gravatá, Zé Domingos e Fabiano & Franklin. Jamais admitiria isso! E foi-se, a ponto dar uma grande foiçada no pescoço de um novo amor, em Guarabira. Depois morreu de desgosto e ficou na nossa história como sendo PANANANA: santacruzense, travesti, réu, vítima e, sobretudo, MUNTCHU MATCHU.

Obs.: este texto é um recorte do meu livro de memórias, ainda em construção, sobre figuras pitorescas e ilustres que escreveram a história de S. Cruz no espaço temporal de minhas lembranças. E, antes que me perguntem, digo que qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência.Nailson Costa

12 comentários:

  1. Nailson,

    Gosto muito dos seus textos que tratam do passado de nossa querida Santa Cruz/RN. Vêm-me à memória, histórias contadas por meu pai. Sua forma de escrever, professor, é cada vez mais ímpar (sem falar nas gargalhadas que damos lendo). Seu livro, em cujo lançamento certamente estarei, será best seller!.

    Parabéns!

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  2. kkkkkkkkk, já me sinto na ABL. Vou dar um jeito de arranjar umas vaguinhas lá. Depois, nós damos um jeitinho de arrastar a galera todinha da APOESC pra lá. Aí os cabras vão ver com quantos miados se faz uma verdadeira academia.

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  3. Muito bom, Nailson. Associei a imagem do ilustre santacruzense com a de Madame Satã.

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  4. Bem lembrado, Gil. M. Cavalcanti também disse isso. O comentário anterior é meu. Esqueci-me da identificação. Foi a pressa! Odeio anonimato!

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  5. JOSUÉ DE CASTRO E SILVA15 de agosto de 2012 às 20:13

    Professor Naílson:

    A crônica, envolvendo Pananana, João Luca, Capitão Pereira (1972,...), Cabo Miguel, Soldado Andorinha, Gravatá (O Rei do Bico), e tantas outras figuras da Santa Cruz de outrora é excelente.

    Seria interessante se cada texto fosse ilustrado com uma imagem fotográfica do respectivo personagem.

    Conheço um pouco da história de Pananana. Às vezes, ele frequentava o Café do Galego. Era um homemzarrão, feio, desbocado.

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  6. Caro Josué, ainda não tenho a foto de Pananana, mas já sei quem a tem. Estou escrevendo um livro sobre as figuras pitorescas e ilustres de S. Cruz e, com certeza, os textos aprecerão com as suas respectivas fotos. Um grande abaço.

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  7. Caro poeta Nailson,

    Eu, Jadson Umbelino, apresento outra figura de Santa Cruz. BOY TICO OU TICO BOY.

    Tico Boy ou Boy Tico
    Santacruzense nato
    imagina ser bonito
    ganhou apelido
    menino gato
    do hotel, do saudoso Zé Dobico

    Os Santacruzense de sessenta
    guarda imagem desta figura
    quando presente
    açude, bar, praça, Trairi Clube e cabaré
    braço cruzado ou mão na cintura
    cabeça inclinada
    se apoiando um só pé
    quem lembra esta imagem, o conhece
    filho de Santa Cruz é.

    Legítimo Santacruzense
    nunca arredou o pé
    hoje com sessenta
    continua a pé

    Hoje, comparece a celebração
    causando boa impressão
    bem vestido a rigor
    parece um senador
    quem o conhece
    é morador
    e filho deste lugar.

    Jadson Umbelino.

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  8. Mwarew Nailson, que bela narrativa sobre Pananana ou Chananana como alguns o chamavam. Conheci de perto e tinha muito respeito por ele. Não por ser um, digamos - brutamontes na expressão mais grosseira da palavra, mas por ser uma pessoa humana incrível. Fui amigo do rapaz que ele matou. O pai daquele rapaz, que não lembro o nome, era da Paraíba e montou uma grande loja de tecidos populares na esquina da Rua Grande com a Ferreira Itajubá e eu fui o locutor da difusora dele, com os anúncios e tocando músicas durante boa parte do sábado. Esses relatos seus no melhor estilo e de uma lembrança fantástica, nos dão a certeza de que a história de nossa cidade não será esquecida. Arroche no livro, amigo que eu já estou esperando ansiosamente.

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  9. Grande mestre!!!!! É sempre bom ter pessoas ilustres e verdadeiros mestres lendo os nossos escritos!!! Obg e vamos, eu vc, Gil, Teixeirinha, M. Cavalcanti, H. Crisanto, Jadson, Chagas e tantos outros, escrever as páginas do lindo livro de nossa cidade.

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  10. JOSUÉ DE CASTRO E SILVA2 de julho de 2016 às 12:54


    Professor Nailson:
    Ando ansioso por uma notícia que diga respeito à publicação do seu livro sobre as FIGURAS PITORESCAS E ILUSTRES DE SANTA CRUZ.
    Um abraço.

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  11. Meu caro Josué, obg pelo interesse! Eu tenho algumas crônicas e contos de figuras ilustres e pitorescas de Santa Cruz, prontas e/ou quase prontas, como,a dos padres Émerson e Raimundo, Zé Dadão, Pananana, Alice Doida, Fogão, Treca, Seu Horácio, Balelê, Zé Rocha, a família Costa, D. Neua Costa, Fabião das Queimadas, Cosme Marques etc e outras a pesquisar. Claro que, para publicar um livro, precisa-se de autorização da família de alguns desses, dinheiro, tempo e mais algo mais. Estou, também, com um projeto de um romance, inclusive já iniciado. Eu os parei. Na verdade, eu penso em publicar esses livros quando de minha aposentadoria, que se dá daqui a 4 anos, quando voltarei a escrever a todo vapor.

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  12. Boas novas você deu a todos nós: pretende retomar sua carreira ainda que lamentavelmente só daqui a 4 longos anos.

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