Fui
ao Alberto Maranhão com dois amigos. Ia felicíssimo por estar ali pela primeira
vez e - vejam vocês que privilégio - para assistir uma peça de minha autoria!
Levei
cem reais para ajudar na gasolina e em eventuais necessidades. O amigo disse: “Depois a gente acerta.
Guarde seu dinheiro”
Voltei
com os cem; fui pra feira, de manhã, meio sonolento, com a nota dobrada junta
com outras de dois.
Resultado:
Quando fiz a última compra notei que a havia deixado com algum dos feirantes.
Confundi-a com uma de menos valor!
Esforcei-me
para rememorar onde estivera. Fui ao primeiro feirante, honestíssimo, que
lamentou o ocorrido. Disse: “Pode ter certeza: Se tivesse deixado aqui eu
devolveria.”
Fui
ao segundo e também não a havia deixado com ele. “Só quero o que é meu,
cidadão. Deve ter deixado noutra banca.”
Na
outra banca também não estava. Lá encontrei uma vendedora triste. Acabara de
perder dez reais. Achava que a dera num troco, por engano. Não sabia ao certo o
que havia acontecido, mas faltavam dez reais, em suas contas. Tentei
consolá-la, vendo a tristeza e revolta que a envolvia:
“Veja
como são as coisas, minha senhora. Sempre que acontecem tragédias conosco, se
procurarmos bem veremos uma situação pior. A senhora perdeu dez, eu perdi
cem. Nesse instante por aí há alguém chorando porque puseram um revolver
em sua cabeça e levaram toda sua grana. Outro está sofrendo por causa de um
filho sequestrado.” E perorei com um pensamento do qual gosto muito:
“Estava triste porque não tinha sapatos,
até que encontrei alguém que não tinha pés.”
Aparentemente
o consolo serviu; percebi mudanças positivas em seu semblante. Pelo menos pra
mim funcionou.
Na
próxima banca também não estava, e tive oportunidade, de ouvir relatos de
outros que passaram por situação semelhante. Um disse "Os danado fazem
umas notas muito parecidas. A de vinte também parece muito com a de cinquenta,
já notou isso? Se o cara não tiver cuidado..." e finalizou com um gesto
obsceno, batendo uma mão na outra. “Oh, cidadão... se tivesse ficado comigo
– exclamou o vendedor penalizado - estava nas suas mãos!”
Já
ia desistir da busca quando me lembrei de um local onde comprara dois reais de
manga. “Ah, acho que foi lá!” E saí às pressas, confiante na possibilidade de
voltar a aninhar com carinho maternal na quentura do bolso a adorável fugitiva.
Falei
baixinho com o vendedor, com todo tato, preocupado em não dar-lhe a impressão
de que desconfiava de sua hombridade.
“Acho
que foi aqui que deixei uma nota de cem, quando comprei os dois reais de manga.
Você deve ter colocado no bolso sem perceber a diferença, como eu. São muito
parecidas, não são?”
O
vendedor me olhou, baixou os olhos, colocou a mão em meu ombro e disse:
“Amigo,
na hora que eu o atendi, chegou uma senhora e você saiu sem me pagar.”
Havia
sinceridade nos seus olhos. Emudeci. Fui à carteira, tirei os dois reais que me
restavam, paguei, desculpei-me e fui embora.
Ao
chegar em casa, fui estacionar a moto e encostei a perna nua no cano quente.
Perguntei aflito à esposa, sempre cheia de receitas nas horas trágicas:
-
Você sabe o que se deve fazer quando se encosta a perna num cano quente, para
evitar que a coisa piore?
-
Sei – disse-me ela – a primeira coisa que se deve fazer é afastar a perna do
cano para não continuar queimando.
Ri,
naquele momento nada apropriado, e convidei-a com a filha para relatar-lhes a
tragédia dos cem.
Foi
a vez de rirem muito, às minhas custas. Perguntei-lhes por que riam. Disseram
que eu estava com uma cara engraçada.
Aproveitei
para tirar lições.
-
O que aprendemos com isso, Débora e Maria?
-
Ter mais cuidado com o dinheiro? – arriscou Maria – Prestar mais atenção no que
faz?”
Filosofei,
tentando extrair uma moral:
“Aprendemos
que quando uma pessoa preciosa se mistura com alguém de menos valor, corre o risco
de ser confundida. Assim como não é bom se misturar notas de cem com as de
dois, precisamos ter cuidado com as nossas companhias.”
A
mulher aprovou o que eu disse, e a filha aplaudiu.
É como diz o ditado: “Não há males que não tragam bens”. Fiz minha
família feliz nesse dia e produzi mais um texto.
A mulher sempre quer ter a última palavra, e acrescentou:
- Publique um livro com essas histórias que vez por outra lhe acontecem e logo logo poderá recuperar os cem.
Imagino o tamanho da DOR que vosmecê sentiu, meu amigo. kkkkkkk
ResponderExcluirPara mim, perder 2 reais já é ruim, imagino pra vc perder R$ 100!
Gilberto,
ResponderExcluirMais um excelente texto, cheio de inteligentes e profundas reflexões!
Só para descontrair: é por isso que quem faz a feira lá em casa é minha esposa (mulheres são mais atentas com dinheiro!); eu só carrego as bolsas pesadas (homem é mesmo burro de carga!). kkkkkkkkk
Como sempre um excelente texto Gilberto e uma grande lição. Gostei bastante da máxima retirada com a experiência.
ResponderExcluirNão devemos nos misturar com àqueles ou àquelas que nos diminuem.
Sim!!!!!!!!! e tomar cuidado com o cano de motocicleta. Rsrsrsrsr.
Francisca Joseni dos Santos
Obrigado, Teixeirinha, Joseni e Marcelo, pelos comentários!
ResponderExcluirMuito bom! - o texto. A perda dos cem reais no momento em que você se deu conta deve ter sido um pouco agonizante, um tanto moribundo...
ResponderExcluirMas, poeta Gilberto, o meu "Papo show - isso só acontece comigo!" foi montado com histórias reais da minha vida. Quem sabe você faça mesmo o livro de crônicas sugerido por sua esposa e ganhe cem mil reais, só para começar. Quero ler!!!