sábado, 18 de agosto de 2012

NOTA DE CEM, NOTA DE DOIS E A MISTURA DE VALORES




Fui ao Alberto Maranhão com dois amigos. Ia felicíssimo por estar ali pela primeira vez e - vejam vocês que privilégio - para assistir uma peça de minha autoria!

Levei cem reais para ajudar na gasolina e em eventuais necessidades.      O amigo disse: “Depois a gente acerta. Guarde seu dinheiro”

Voltei com os cem; fui pra feira, de manhã, meio sonolento, com a nota dobrada junta com outras de dois.
Resultado: Quando fiz a última compra notei que a havia deixado com algum dos feirantes. Confundi-a com uma de menos valor!

Esforcei-me para rememorar onde estivera. Fui ao primeiro feirante, honestíssimo, que lamentou o ocorrido. Disse: “Pode ter certeza: Se tivesse deixado aqui eu devolveria.”
Fui ao segundo e também não a havia deixado com ele. “Só quero o que é meu, cidadão. Deve ter deixado noutra banca.”

Na outra banca também não estava. Lá encontrei uma vendedora triste. Acabara de perder dez reais. Achava que a dera num troco, por engano. Não sabia ao certo o que havia acontecido, mas faltavam dez reais, em suas contas. Tentei consolá-la, vendo a  tristeza e revolta  que a envolvia:

“Veja como são as coisas, minha senhora. Sempre que acontecem tragédias conosco, se procurarmos bem veremos uma situação pior. A senhora perdeu dez, eu perdi cem.  Nesse instante por aí há alguém chorando porque puseram um revolver em sua cabeça e levaram toda sua grana. Outro está sofrendo por causa de um filho sequestrado.”  E perorei com um pensamento do qual gosto muito:

“Estava triste porque não tinha sapatos, até que encontrei alguém que não tinha pés.”

Aparentemente o consolo serviu; percebi mudanças positivas em seu semblante. Pelo menos pra mim funcionou.

Na próxima banca também não estava, e tive oportunidade, de ouvir relatos de outros que passaram por situação semelhante. Um disse "Os danado fazem umas notas muito parecidas. A de vinte também parece muito com a de cinquenta, já notou isso? Se o cara não tiver cuidado..." e finalizou com um gesto obsceno, batendo uma mão na outra.  “Oh, cidadão... se tivesse ficado comigo – exclamou o vendedor penalizado -  estava nas suas mãos!”

Já ia desistir da busca quando me lembrei de um local onde comprara dois reais de manga. “Ah, acho que foi lá!” E saí às pressas, confiante na possibilidade de voltar a aninhar com carinho maternal na quentura do bolso a adorável fugitiva.

Falei baixinho com o vendedor, com todo tato, preocupado em não dar-lhe a impressão de que desconfiava de sua hombridade. 

“Acho que foi aqui que deixei uma nota de cem, quando comprei os dois reais de manga. Você deve ter colocado no bolso sem perceber a diferença, como eu. São muito parecidas, não são?”

O vendedor me olhou, baixou os olhos, colocou a mão em meu ombro e disse:

“Amigo, na hora que eu o atendi, chegou uma senhora e você saiu sem me pagar.”

Havia sinceridade nos seus olhos. Emudeci. Fui à carteira, tirei os dois reais que me restavam, paguei, desculpei-me e fui embora.

Ao chegar em casa, fui estacionar a moto e encostei a perna nua no cano quente. Perguntei aflito à esposa, sempre cheia de receitas nas horas trágicas:

- Você sabe o que se deve fazer quando se encosta a perna num cano quente, para evitar que a coisa piore?

- Sei – disse-me ela – a primeira coisa que se deve fazer é afastar a perna do cano para não continuar queimando.

Ri, naquele momento nada apropriado, e convidei-a com a filha para relatar-lhes a tragédia dos cem.
Foi a vez de rirem muito, às minhas custas. Perguntei-lhes por que riam. Disseram que eu estava com uma cara engraçada.

Aproveitei para tirar lições.

- O que aprendemos com isso, Débora e Maria?

- Ter mais cuidado com o dinheiro? – arriscou Maria – Prestar mais atenção no que faz?”

Filosofei, tentando extrair uma moral:

“Aprendemos que quando uma pessoa preciosa se mistura com alguém de menos valor, corre o risco de ser confundida. Assim como não é bom se misturar notas de cem com as de dois, precisamos ter cuidado com as nossas companhias.”

A mulher aprovou o que eu disse, e a filha aplaudiu.

É como diz o ditado: “Não há males que não tragam bens”. Fiz minha família feliz nesse dia e produzi mais um texto.

A mulher sempre quer ter a última palavra, e  acrescentou:

- Publique um livro com essas histórias que vez por outra lhe acontecem e logo logo poderá recuperar os cem.


5 comentários:

  1. Imagino o tamanho da DOR que vosmecê sentiu, meu amigo. kkkkkkk

    Para mim, perder 2 reais já é ruim, imagino pra vc perder R$ 100!



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  2. Gilberto,

    Mais um excelente texto, cheio de inteligentes e profundas reflexões!

    Só para descontrair: é por isso que quem faz a feira lá em casa é minha esposa (mulheres são mais atentas com dinheiro!); eu só carrego as bolsas pesadas (homem é mesmo burro de carga!). kkkkkkkkk

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  3. Francisca Joseni dos Santos19 de agosto de 2012 às 12:05

    Como sempre um excelente texto Gilberto e uma grande lição. Gostei bastante da máxima retirada com a experiência.
    Não devemos nos misturar com àqueles ou àquelas que nos diminuem.
    Sim!!!!!!!!! e tomar cuidado com o cano de motocicleta. Rsrsrsrsr.

    Francisca Joseni dos Santos

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  4. Obrigado, Teixeirinha, Joseni e Marcelo, pelos comentários!

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  5. Muito bom! - o texto. A perda dos cem reais no momento em que você se deu conta deve ter sido um pouco agonizante, um tanto moribundo...
    Mas, poeta Gilberto, o meu "Papo show - isso só acontece comigo!" foi montado com histórias reais da minha vida. Quem sabe você faça mesmo o livro de crônicas sugerido por sua esposa e ganhe cem mil reais, só para começar. Quero ler!!!

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