sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O LIVRO DOS LIVROS (Parte 2) - Moacy Cirne



Gilberto, aí vai o segundo capítulo da divertida teodiceia criada por Moacy Cirne, poeta, crítico literário, romancista e um dos fundadores do Poema Processo no estado do Rio Grande do Norte. Moacy é seridoense, torcedor do Fluminense, cinéfilo e  um dos maiores especialista em História em Quadrinhos do Brasil. Faço no entanto uma ADVERTÊNCIA, os mais ciosos, dogmáticos e religiosos talvez devam se abster de lerem esses textos, pois podem se sentir agredidos em sua fé com a paródia criada por Moacy, e NÃO É ESTE O NOSSO PROPÓSITO, mas tão somente o de mostrar a criatividade deste ESCRITOR POTIGUAR, radicado há muitos anos no Rio de Janeiro.
A propósito, omiti os palavrões (que no texto é substituído por um asterisco) também para não ferir SUSCEPTIBILIDADES de ninguém, de forma que quem desejar ler o texto com os palavrões omitidos, vá ao original, que se encontra no Blog BALAIO PORRETA. Gil, se resolver publicá-los (deixo ao seu senso e juízo), publique-os sempre com esta advertência. (Marcos Cavalcanti)

O LIVRO DOS LIVROS
(Parte 2)
Texto estabelecido a partir de manuscritos
que se encontram nas bibliotecas de
Cairo, Londres, Paris, Petrópolis, Caruaru e Caicó

O primeiro assassinato

Expulsos do Jardim do Seridó, Tonho e Mané das Cacimbas, filhos de Severino e Raimunda, igualmente expulsos, conheceram uma jovem e bela mulher, vinda de Guarabira, na Paraíba. E os dois por ela se apaixonaram. E quiseram conhecê-la biblicamente. Mas Expedita - a mulher em questão - só queria chumbregar com um deles. E os dois irmãos se estranharam.


Tonho disse então a Mané das Cacimbas: "Vamos para Boqueirão, em Parelhas. Quero que você veja um jogo do Centenário; essa terra ainda será a terra do futebol". Mas quando se aproximavam do açude, Tonho agrediu o irmão e o matou com uma pexeirada. O Senhor das Alturas, desconfiado, perguntou a Tonho: "Onde está teu irmão Mané das Cacimbas?" E ele respondeu: "Não sei. Acaso sou o pastorador de meu irmão?" "O que fizeste? - perguntou o Senhor das Alturas. - Ouço da terra a voz do sangue de teu irmão, clamando por vingança. Terá sido por causa de Expedita, aquela sirigaita, que você o matou?"


E o Senhor das Alturas condenou-o a passar 6 anos, 6 meses e 6 dias perambulando pelo sertão com os cabras de Lampião, fugindo dos macaco da capital e das onças pintadas da região. Tonho disse ao Senhor das Alturas: "O castigo é grande demais para suportá-lo. Não poderei simplesmente ir para mais longe, para os cafundós da Bahia, oh meu Rei?" O Senhor das Alturas gostou da ideia e disse: "Tudo bem. Quem sabe, um dia você acaba estrelando um filme de Glauber Rocha". Afastando-se da presença do Senhor das Alturas, Tonho foi morar em Vitória da Conquista, e lá conheceu Capitulina, casada com Joaquim Casmurraldo. Tonho e Capitulina se gostaram e fugiram para o interior de Pernambuco.


A humanidade se amplia


O Senhor das Alturas ficou indignado, mas preferiu não interferir ao ver que ela deu à luz a Pedro dos Papagaios. Tonho veio a construir uma cidade e lhe deu o nome de Petrolina, em homenagem a seu filho. Pedro dos Papagaios foi o pai de Mirador, Mirador de Abimael, Abimael de Matutosalém e Matutosalém de Riobaldo.


Riobaldo casou com quatro mulheres; uma se chamava Diadorinha, a segunda Estrela da Manhã, a terceira Iracema, a quarta Dualiba. O nome do irmão de Riobaldo era João Rosa, antepassado de todos os tocadores de rabeca e sanfona. Dualiba teve três filhos: Vaca Véia, artífice de todos os instrumentos de bronze e ferro; Bala Choca, forrozeiro e cantador de feira; e Ojuara, criador da literatura de sacanagem. Diadorinha e Estrela da Manhã abandonaram Riobaldo e preferiram se amigar, como se macho e fêmea fossem.


Severino, que deixara Raimunda, champrou muitas vezes a sua segunda mulher, por Esmeraldina conhecida. Ela deu à luz um filho, a quem chamou Sertão do Cariri. Severino já tinha 69 anos quando o gerou. E viveu mais 24 anos e gerou filhos e filhas, que se deliciavam com a chamegação entre si e com os vizinhos e vizinhas.


Sertão do Cariri tinha 33 anos quando gerou Jorge Fernando. Viveu mais 87 anos e gerou filhos e filhas, que foram povoar a Paraíba, o Ceará, o Piauí e Mossoró. Morreu ao ser atacado e devorado por uma onça pintada das mais brabas.


Jorge Fernando gerou José Bezerrão. Tinha 27 anos, então. Viveu mais 53 anos e gerou filhos e filhas, entre os quais Zé Areia Preta, Zilah Medina, Luís Carlos do Curral Novo, Miriam Celeste, Miguel Ciríaco, Sanderson Fabulário, Menandro Casto, Sandra Sandrix, Paulo de Bartola, Jarbas Angicos, Jenildo dos Pampas, Milton Costa, Alta Solta e Americana Marize de Macedo. Todos se amigaram com homens e mulheres da Paraíba e Pernambuco, e geraram muitos filhos e filhas, que viviam em paz e harmonia, na maior felicidade, no mais doce dos chumbregamentos. Os próprios animais, selvagens e não-selvagens, viviam para procriar.


E o Senhor das Alturas, indiferente, além de chateado com aquela eternidade sem princípio e sem fim, só cubava. E o Senhor das Alturas disse: "Meu espírito, já deu para perceber, não ficará para sempre no Homem, porque ele é apenas carne. E o homem não viverá mais do que 120 anos". Dito isso, foi jogar baralho com seu amigo Luisinho Ciferino.


Os anos se sucederam e o Senhor das Alturas, então induzido pelos fanáticos da Igreja Universal do Reino do Diabo, passou a ver pecado onde pecado não existia, passou a ver maldade onde maldade não existia. E o Senhor das Alturas viu o quanto tinha crescido os contatos carnais entre os seres da terra, seguidores que eram dos primeiros habitantes que tinham lido, ainda em Jardim do Seridó, os livros de sua inestimável Biblioteca de Babel.


E o Senhor das Alturas ficou (*) da vida. E o Senhor das Alturas se fez vingativo. E o Senhor das Alturas se fez cruel. E o Senhor das Alturas se fez terrível.

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