segunda-feira, 18 de setembro de 2023

DEU ZEBRA NA HISTÓRIA



 DEU ZEBRA NA HISTÓRIA


Caminhando pela floresta, de longe ele escutou uma canção. Escondeu-se por trás de uma árvore e ficou aguardando quem era a dona daquela voz tão agradável. Seu apetite estava pedindo comida, e já havia ouvido falar de que uns animais que andavam em cima só das duas patas traseiras eram deliciosos, principalmente quando jovens. Esperou ansioso para ver se poderia saciar-se com aquela fêmea na primeira idade. Muitos dos seus já haviam sido mortos pelas varas de fogo que aquela espécie utilizava para fazer trovão. O caminho estava deserto. A única função dele era sobreviver, e para isso fazia de tudo, até comer quem passasse por aquelas bandas. 

A voz se aproximava. Ele ficou tão nervoso e salivava tanto que lhe deu dor de barriga. Saiu de trás da árvore e foi para uma moita. Após o relaxamento de praxe, percebeu que a voz havia passado pelo ponto de ser silenciada. Apressou-se só pensando na degustação, porém um espinho lhe espetou o pé. Ai, gritou em forma de urro. A voz que vinha sendo ouvida deixou de ser. Eita!, espantei a presa. Ficou quieto por bastante tempo e, silenciosamente, pé ante pé, tentou esgueirar-se para mais perto de onde havia uma respiração ofegante. Bem que seu pai dizia que tinha que ter sangue frio na hora de atacar. Percebia que sua falta de controle estava proporcionalmente ligada aos seus fracassos nas caçadas. Ultimamente só tinha comido restos deixados pelos outros, e precisava ser bem sucedido para quando chegasse em casa ter o que contar. 

A voz voltou a ser ouvida com a mesma canção. Só sabe cantar essa?, pensou dando uma de crítico musical. Seu faro indicava que havia uns bolinhos feitos há pouco. Odiava bolinhos, principalmente quando eram feitos para avós. Ele era jovem e muito macho, por isso jamais se conformava em comer bolinhos. Coisa de quem não tem garra para matar, comer carne e chupar sangue. Tinha inveja dos seus primos vampiros, pois eles não tinham piedade e possuíam muito mais força, só que naquela hora eles não conseguiam transitar por ali. 

Um ciclone aproximava-se, e todos os outros estavam preocupados em se abrigar, porém ele permanecia em querer saciar sua fome. Sofria muito porque toda vez que tentava uma caçada, sempre acontecia uma desgraça para impedi-lo de realizar seus intentos. Quantas noites perdidas planejando um ataque, e agora que estava prestes a acontecer, alguém resolveu colocar um ciclone ali perto. Só pode ser intriga da oposição, pensou olhando para o céu. Ouviu uma voz dizendo: calma, tudo tem seu tempo. Ah, se eu fosse esperar o tempo de encher minha barriga, já tinha morrido de fome. “Quem sabe faz a hora...” No seu treinamento, havia ouvido muito isso, mas não bastava pensar assim, tinha que ter talento para fazer a hora. 

Estava difícil acompanhar a voz, pois precisava evitar os arbustos impedindo-o de dar uma carreira. Sem poder correr, avistou uma serpente que o esperava para lanchá-lo. Não está vendo o ciclone aí, não?, quis argumentar, porém a serpente se lançou em um tremendo bote conseguindo lhe apertar até a morte. Depois que o havia puxado para dentro da sua roupagem encouraçada, foi que a píton percebeu a voz cantando lá longe: pela estrada afora...                


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 18.09.2023 – 14h19min.



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