NUM SET DE FILMAGEM
Vivo no meio da floresta servindo de abrigo para muitos, disse a árvore já começando a se balançar com a aproximação do furacão. Nos seus galhos, uma águia teimava em fazer um ninho. Vou te arrancar, árvore conivente com a violência!, riu de longe o furacão. Conivente com a violência? Isso mesmo! Você só serve para dar abrigo às águias e aos lobos com ideias fixas de devorar crianças. Você não sabe o quanto é solitária a vida de uma árvore, por isso estou de galhos abertos para quem chegar, inclusive esse pica-pau malvado. Eu não fiz nada e já estou sendo apontado como malvado. É aquela sua risadinha chata e irônica que você sempre dá no final dos seus vídeos depois que destrói seus inimigos. Sim, mas estou aqui noutro papel sem poder rir. Está no contrato, argumentou o pica-pau tentando cavar um lar naquele tronco avantajado.
Enquanto isso, a menininha continuava seu percurso em direção à casa da avó.
Eu tenho esperança em sair daqui, pensava o lobo apertado na barriga da cobra. Já devorei várias avós e sempre aparece um caçador, e acho que também tenho direito a ser salvo.
Não muito distante dali, os caçadores riam com a ideia de salvar o lobo. Estavam se embriagando na taverna da esquina e nem passava pelas suas cabeças sair para tal empreitada. Deixe o lobo ser dissolvido, diziam uns para os outros.
Acho que temos direito a ser citadas, reivindicavam as mulheres dos caçadores. Nós também! Todos os parentes dos caçadores queriam ganhar uns trocados. Pois é! Nem precisava de uma cobra nessa história. Ela já foi contemplada naquela de Adão e Eva, agora em todo canto tem que ter uma serpente, senão ninguém presta a devida atenção.
Eu não acredito que eles estão implicando comigo, pensou a anaconda, sentindo um aperto na consciência. Não é na consciência, não, gritou o lobo lá de dentro. Sou eu querendo furar seu couro e sair. Mas você não estava morto? Estava igual à vovozinha quando eu engoli. Vamos decidir que padrão vamos usar de forma planificada. Se serve para uns, deve servir pra mim também. O diálogo entre comida e comedor não está muito lógico. Fique calado aí, seu cabeça de vento. O furacão ficou puto com a anaconda e deu um sopro que foi pedaço de cobra para todo canto. Ainda bem que aqui na taverna não chegou nenhum. Foi só um dos caçadores acabar de falar que o lobo aterrissou na mesa ao lado com um copo já na mão. Uísque, por favor. Vocês viram que arrogância desse lobo? Enquanto tomamos cachaça, ele chega logo pedindo uísque. Meu cachê sempre foi maior do que o de vocês, por isso posso esbanjar. Falar nisso, disse a menina arrumando seu chapéu vermelho, preciso ver se entrou a primeira parcela na minha conta. A águia não tinha nenhum papel importante, por isso continuava fazendo o ninho e doida para lanchar o pica pau.
Falar em lanchar, preciso comprar outros bolinhos para repor o estoque, pois já comi todos esperando a finalização dessa versão barata do meu grande sucesso. No meio da floresta, não existia nenhum ponto de vendas para que ela pudesse fazer o reabastecimento da cesta. Se fosse pelo menos gasolina, ah, também não tinha, é verdade.
Quando eu chegar à casa da vovó, nem vou saber o que dizer depois dessas variações que o roteirista está fazendo. Não chegue agora não, minha netinha, pois o lobo ainda nem bateu na porta. Só vou lá depois do almoço. Bote mais uma. É preciso muita cachaça para mastigar uma velha. Olhe a discriminação. Eis aí mais um motivo para matar esse lobo mau. E vocês são bons? Matam-me e ainda saem como herois! Só espero que eu não seja pela águia, bicou o pica-pau já desconfiando que ia sobrar pra ele. Deixe eu saborear ele, implorou a águia para o autor. Por enquanto fiquem fazendo seus ninhos. Tenho medo que essa ventania doida destrua tudo. Não sou doida. Eu sopro quando dizem para eu soprar. Só espero que não ela não venha desarrumar meu penteado, disse a menina passando na parede do açude. Quem fez esse açude? Haja gasto! Desse jeito não vai sobrar verba para repor os cartuchos que iremos utilizar para matar o lobo. Pensem direitinho antes de apertarem o gatilho, porque esse produtor, depois de vê-los sem munição, vai querer dar um calote. Mas nós temos nossos facões, qualquer coisa, nós o degolaremos.
Lembrem-se que aqui é uma história infantil. Cala a boca sua velha coroca. Quem falou assim com minha avó? Acho que foi o autor. Não, foi um peixe. De onde saiu esse? Ora, não tem um açude? Açude que se preza tem que ter peixe. Na verdade eu sou um boto-cor-de-rosa. Logo rosa? Não tem um chapéu vermelho? Por quê não posso ser rosa? O problema é que você mal acabou de chegar já foi desconsiderando a avó da chefe. Aqui não tem chefe. Cadê o roteirista? Saiu para a taverna. Hora do intervalo, gritou o diretor.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 20.09.2023 - 19h25min.
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