quarta-feira, 14 de setembro de 2022

ARTIMANHAS DE UM PREGUIÇOSO - Heraldo Lins

 


ARTIMANHAS DE UM PREGUIÇOSO 


A rede vermelha, amarrada no gancho, servia-lhe de inspiração. Estava deitado na cama e registrou que também havia um ar-condicionado. 

Ao tentar descrever uma transparência na parede, sentiu dificuldades em encontrar o nome "prancha" para dizer que aquele pedaço de vidro medindo um metro e dez por quinze fazia a vez de criado-mudo. 

Em seguida, olhou para a janela que permanecia deixando o azul do céu entrar com um brinde de brisa marítima. 

A mão foi puxada para dentro do frevo tendo sua extensão representada pelo dedo indicador pulando amarelinha na tela do celular. 

Confessou haver esquecido de registrar a presença do smartphone reivindicando ser protagonista, fato não levado a sério porque essa decisão chegou a ser influenciada pelos pés dizendo "não" no final do colchão. 

Os olhos viram tudo aquilo e logo empurraram outros seres para que o autor fosse anotando sem discriminação. Uma surpresa surgiu quando o branco do teto disse ser mais importante que o branco das gavetas, polêmica apaziguada pela lâmpada apagada sussurrando não se meter em briga de gente sem-futuro.  

"Vão" ficou sendo utilizado como sendo o nome do espaço entre dois compartimentos considerado corredor, todavia permaneceu "vão" mesmo. 

As cortinas, depois que foram incluídas, passaram a rodopiar se assemelhando aos poloneses dançando mazurca no século dezenove.  

Não havia nenhum objeto doente, mas o amarelo surgiu entre os travesseiros, e o marrom, sem ser bombom, estava escondido dentro de um rolo de papel higiênico. 

O preto foi avistado na cor da calça e nos sapatos, respectivamente, posicionados em cima e embaixo do plano visual. 

Ah! gritou o controle remoto, não se esqueça de anotar que eu e a televisão somos importantes nesse quarto de dormir. Tudo bem! respondeu o digitador e continuou escutando a fachada do prédio pedindo para anotar sua cor cinza e que também fosse registrado as barras de alumínio em cor natural.

 A cabeça nem precisou de guilhotina para rolar... de lado, e levar os olhos juntos para perto do espelho. Havia uma porta espelhada e essa porta era do guarda-roupa que não queria sair do "guarda-roupa" nem sendo forçado pela tábua de passar. A tábua, prima legítima dele, estava sufocada com tanta roupa amassada depositada em sua cara. Permanecia ansiosa que a passadeira lhe tirasse daquele sufoco, pois tinha medo do praaaaá! O que é praaaaá? perguntou a tomada elétrica só para se fazer presente. É o barulho da minha coluna se quebrando, respondeu a tábua fazendo o guarda-roupa, não segurando a gargalhada, sair dele próprio. 

Precisa de mais ação! gritou a cadeira. Ela estava ali rodopiando fora do quarto, já que dentro não lhe cabia. Ao se levantar da cama, influenciado pela antipática cadeira, o escrivão teve que registrar que o lençol sofreu um empurrão quando sua atenção correu para o banheiro. A velocidade expressa para chegar ao canto das intimidades só podia ser comparado a uma corrida de Fórmula Indy. Mas não dá para colocar movimento em coisas inanimadas, disse o autor respondendo à cadeira, a não ser que os personalize, e esse não é o objetivo. E qual é o objetivo? Transformar uma leve descrição em algo suportável de se ler. Então conseguiu, disse a cadeira “dando gás” ao seu interlocutor. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 14.09.2022 — 16:31



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