ANTAGONISMO DO SER SOCIAL
O destino, com um sorriso permanente, guiava-os pelos caminhos da vida. Um toque de otimismo, sempre a tirá-los para longe das dúvidas, fazia se sentirem à vontade um com o outro. A graça total dava ao encontro um clima de festa desprovido de qualquer segredo. Pareciam pássaros libertos da gaiola das expectativas. O regozijo aumentava a cada encontro, assumindo um tipo de cartão postal na relação. Aos poucos, as emoções transformaram-se em continentes sem fronteiras adubando o solo da felicidade.
A chuva caía fina prendendo a moça em casa. Ela sentia frio com os lábios “embatonzados” sem esperança de poder ir. Suas ideias estavam distantes, bem além daquele vidro que a protegia do urro do sapo boi: - "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". Por coincidência, acabara de ler o poema e nem se dava conta que estava vivenciando a poesia em seu jardim.
Havia contentamento além do normal, significando que aqueles duradouros sorrisos vinham para serem distribuídos com grande desprendimento. Expressividades contagiantes por onde passavam fazendo quem estava por perto se sentir influenciado.
O quanto havia sido boba em acreditar que estaria perto dele naquela noite, disse angustiada, e, para diminuir a ansiedade, rasgou as páginas do livro sem se importar se havia sido emprestado.
Nada mais havia para ser explorado em matéria de satisfação. Muitas palavras eram ditas e nem tinham tempo para ir por caminhos diferentes, já que os olhares tendenciavam-se para continuar gerando infinita prosperidade naquela estrada alegre da convivência.
Achava-se uma pessoa tímida com a violência domesticada pelos prejuízos que tantas vezes causou. Basicamente era filha única, já que o irmão saíra cedo para estudar fora e ela ficara com todos os mimos dos pais.
As cores, por onde iam passando, se mostravam cada vez mais vivas nos canteiros do deleite sem mostrar qualquer dúvida quanto ao amor. A vontade transformada em algo que fazia a atração se tornar cada vez mais forte, um estimulando o outro a produzir seu próprio bem-estar, por algumas horas, após cada encontro.
Quando estava sozinha, tinha facilidade em se entediar até em assistir ginástica olímpica que tanto gostava. Envenenara-se uma vez apenas para sentir emoções fortes e causar outras em quem a amava, argumentando ser necessário experimentar de tudo um pouco para saber o que escolher no futuro sem capa nem contracapa.
Embrenhavam-se no relacionamento sem um mapa dizendo qual projeto deveriam seguir para viverem bem. Iam simplesmente dando asas à intuição desenrolando-se uma espécie de consentimento com sinceridade. Cada encontro era mais interessante do que o anterior. Esses arroubos de fantasias, insistiam em mantê-los conectados em seus delírios como se tivessem nascido da mesma placenta ou vividos unidos pelo cordão umbilical em subterrâneos inexplicáveis.
O fato de que precisava manifestar-se de forma diferenciada, fez-lhe pensar sobre a relação. Apesar de nem precisar forçar seu querer, percebeu que isso a impulsionava a ter outras ideias parecidas com a que teve há dois dias registrando tudo que via, sentia e ouvia, e isso lhe dava combustível extra para permanecer em atividades distintas. É o tipo da coisa que vai aos porões do subconsciente transcendendo a beleza da intimidade, amando quem chega primeiro e entendendo o que inibe o entusiasmo.
Decidiram se casar. Confiantes, não se deixaram abater por olhares em direções opostas, envolvendo-se de corpo e alma com os recém-nascidos. Dez anos se passaram na mais perfeita harmonia. Aquele relacionamento assemelhava-se a uma sinfonia sem erros nem paradas. As semanas traziam mais capítulos da extensa história real registrada na fotografia da memória de outros nascimentos. Muito mais do que o bom e o bem os mantinham juntos, sem saber explicar o que era.
Na separação dos corpos, percebeu que estar sozinha é um passaporte para territórios mal-assombrados.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 15.09.2022 — 12:24
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