quinta-feira, 14 de julho de 2022

A QUEDA DE CABELO É O MÍNIMO - Heraldo lins

 


A QUEDA DE CABELO É O MÍNIMO


O que vai ser da minha vida agora sem poder lavar louça nem varrer casa? disse a mulher depois que foi retirado um seio e os linfonodos da axila. A médica recomendou que ela não fizesse qualquer esforço com o braço direito, caso contrário, incharia e não voltaria ao normal nunca mais. Ela não deu muita atenção às recomendações e retomava às atividades pouco a pouco. Ainda bem que alguém pediu para que ela colocasse os dois braços em cima da mesa, assim, perceberam o início do inchaço. O desespero veio no momento em que ela se deu conta da gravidade do problema. Achava que seria simples, como de fato foi, só que a recuperação da quimioterapia exigiu comer melancia congelada, para acalmar a queimação no estômago, pelos doze meses seguintes. 

Muita gente ainda não percebeu a importância do outubro rosa, mas quando esse problema bate à nossa porta, percebemos o quão é necessário toda a família correr para perto. É uma doença que adoece todos que convivem com a paciente. 

É como se arrancasse um testículo do homem. Só em falar já me deu uma dor fina. Costumamos dizer que há uma dor fina, mas nunca definimos uma dor grossa. Fico a imaginar que a dor grossa é a mesma que faz barulho, tipo um trovão no pé de serra. 

Mas o momento não é de brincadeira. O câncer de mama mata muito mais do que se imagina, e quando não acontece de ceifar vidas, ceifa a autoestima da paciente. 

O câncer de próstata também deve ser detectado cedo para evitar a famosa dor fina que com o passar do tempo torna-se grossa. São locais delicados que mexe com o vespeiro da vergonha. Conheci uma religiosa que preferiu morrer do que mostrar os peitos ao médico.  

Quanto à próstata, é difícil um homem deixar outro escavacar para cima e para baixo por livre e espontânea vontade. Deixar enfiar não é tão grave quanto parece. Em cinco minutos se resolve essa pendenga, o pior é o período que antecede a dedada. 

Confesso que perdi o sono por cinco anos ensaiando como seria meu comportamento frente a frente com o proctologista. De início, pensei em ir bêbado, porque a fama de dizer que aquilo de bêbado não tem dono justificaria o exame. Chegaria embriagado ao consultório e se alguém viesse fazer farra com a minha cara... não valeu! eu estava bêbado.  

Eu acordava de madrugada e, escondido da mulher, ficava fazendo pose no colchão. Colocava o travesseiro, tipo avestruz escondendo o rosto, e ficava de lado, para cima, pensei até em ir com uma calça rasgado entre pernas para facilitar o serviço. Teve um dia que acordei suado após ter sonhado com um bocado de dedos correndo atrás de mim. Pense num sufoco! 

Depois fui refletir que o problema seria o depois. E se eu não aceitasse tamanho despropósito? Depois seria tarde. Não sei nem se poderia andar de cabeça erguida na rua. Com certeza não! A qualquer momento poderia alguém dizer: e aí!? Gostou, hein? Tá viciado! Depois de muita relutância, entrei no YouTube e vi como fazer o autoexame. Ufa! Escapei fedendo, literalmente. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 13.07.2022 - 07:25






2 comentários:

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”