segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

REMÉDIO DESBLOQUEADOR - Heraldo Lins

 


REMÉDIO DESBLOQUEADOR


      "Correta é a pose da barriga estufada mostrando as rugas e escondendo a simpatia”. 

Assim se deu início ao curso sobre a importância de ser feliz. A mestra não tinha quase alunos, com exceção de mim e do seu empregado que é obrigado a assistir às aulas. O objetivo de ter me inscrito é porque sempre tenho curiosidade em conhecer os dois lados. Nestes momentos de descontração posso assumir minha essência de rabugento. 

As aulas são intragáveis e superficiais. A pessoa tem que estar gorda ou descabelada para poder se inscrever, além de preencher um questionário de como se comporta no dia a dia: se corta fila, sinal vermelho, estira o dedo, tudo isso é levado em conta desde que se sinta bem. 

Iniciei a prática e logo de "cara" estava sendo quase um professor. Assimilei os ensinamentos e hoje concordo que é um absurdo fazer curso de etiqueta. O bom é comer com as mãos sujas, porque, além do alimento, ingerem-se bactérias, fungos e vírus, conseguindo-se, assim, uma imunização natural.

Na aula aconteceram vários momentos distintos, e, particularmente, gostei muito do momento da dança. Trata-se de ficar arrastando os pés e balançando os braços fora do ritmo. A dança chama-se “largadão dos Zumbis”. Não tem nenhum objetivo a não ser ficar quase parado igual a um morto vivo. Minha postura ficou muito boa: encurvado e babando, consegui fazer três horas de dança e nem me cansei.   

A alimentação também faz parte do ritual “destroçante”: num dia como apenas banana; no outro, sardinha crua; abacate puro; na quinta-feira, só pipoca. Estou em forma de couro e osso. Vale a pena. 

Também montei minha sala de tortura: uma máquina fica rodando com uma cinta de couro com objetivo de endurecer a pele; um barril acima da cabeça verte pingos d’água gelada para tirar o sono. Estou me acostumando ao desconforto físico, entretanto, quando não consigo me segurar em pé, deito-me numa cama de prego. 

Agora sim, encontrei sentido para a minha existência! Nada mais de shoppings, praia, piscina, carnaval. Foram substituídos por um bracelete apertando os pulsos e carrapicho nas partes íntimas. A dor contínua exclui todo tipo de mágoa, vaidade e ódio. 

Não existem mais dificuldades de relacionamento. Qualquer agressão é minimizada pela realidade que se vive. O choro seca, a depressão vai embora, e os questionamentos, sobre o que se veio fazer aqui na terra, não existem mais. O sistema de pensamento volta-se para a própria sobrevivência, e a cultura que conta é a da escapatória. 

Vou indicar o curso para meus inimigos. 




Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 26.11.2021 – 10:27



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