quinta-feira, 22 de abril de 2021

PASSANDO O OLHAR - Heraldo Lins



 PASSANDO O OLHAR 



Mais uma vez acordei pela madrugada olhando para o céu. Quando estou sem assunto olho para as nuvens se deslocando. Lembro-me dos bichos que formávamos na infância. Senti vontade de ver búfalos, carneiros ou um velho barbudo. Vi apenas nuvens sendo clareadas pelos primeiros raios da manhã. 


Com esse cenário me veio à mente a pergunta que aperreia os filósofos desde antes de cristo: de onde viemos e para onde vamos. Não me disseram, mas concluí que as nuvens não querem saber disso. Apenas nós, mais de sete bilhões de pessoas em todos os recantos do mundo, corremos atrás dessa resposta. Fiquei apenas com as indagações, não só sobre nosso destino, mas o destino daquelas brancas nuvens que nos observam lá do alto. Se só eu que deixo o meu futuro para me concentrar no das nuvens, pode-se dizer que tenho uma verdadeira cabeça nas nuvens. 


Como sei que não vou saber o meu destino, desviei o olhar para esse entretenimento. Não havia o que fazer e eu não queria ficar olhando para a parede branca. Se alguém me visse de olho “grelado” para o nada me taxaria de debiloide. Para justificar minha olhada injustificada teria que haver uma víbora caçando insetos. Mas onde eu iria arranjar uma víbora às cinco horas da manhã? Preferi direcionar minha atenção para as nuvens. Elas são bem divertidas. Abrem um cenário a cada minuto, por isso continuei observando-as. 


Lembrei-me da imagem quando fui ao Rio de Janeiro. Nesse mesmo horário a trinta mil pés, o sol se reflete nelas como o fogo na mata seca. O tapete branco passa a ser alaranjado. Percebi que o sol torna-se mais forte, mas não atrapalha o trânsito das nuvens. Nem semáforo existe no céu. As mais apressadas são brancas e dispersas. As maiores e escuras ficam parecendo carretas na via da direita: devagar e carregadas.   


Lembrei-me quando estudante já tinha o hábito de olhar para o céu. O ônibus lotado, calor, desavenças, e eu fitando-as. Desviava-me do dia a dia para ver o quanto há de paz nesse fluxo interminável. Acredito que elas são os ponteiros de segundos do mundo. O tempo usa as nuvens para exemplificar a passagem por aqui. Se as nuvens sempre passam, passaremos também. 


A morte das nuvens é derramar-se irrigando as árvores. A nossa, é adubar as mesmas árvores. Nossa ligação com as nuvens pode até não ser perceptível, mas eu tenho o maior cuidado quando vejo uma nuvem carregada. Sabendo que ela vai irrigar, fico preocupado se será a minha vez de adubar.


             


Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Natal/RN, 16/03/2021 – 17:29

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