quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

RISOS INTERESSEIROS - Heraldo Lins

 


RISOS INTERESSEIROS

 

 

Chorar de alegria foi o que fez ao chegar à casa da mãe depois de trinta anos. Ela, sempre muito durona, pedia que parasse. Ele não se controlava. Enxugava o rosto e abraçava todos. A alegria de ver a mãe ainda com saúde o fez rir de forma chorosa. Depois teve uma crise de riso incontrolável. Todos pensaram que havia perdido o juízo. Mas antes de tomarem alguma providência, acompanharam-no nas gargalhadas pulando e gritando. Era festa na casa.

 

O gato olhava aquela família nunca tão contente. Até o cachorro labrador calou-se. Seu costume era latir e se escorar na parede para não cair de fome. Desta feita só se escorou. Escutou apreensivo o choro inicial que abriu o cerimonial de abraços. Ficou atento, também, ao riso da comemoração. O gato veio emitir, junto ao cachorro, sua opinião.  Ficaram os dois fofocando.  O labrador começou dizendo que aquilo era uma manifestação do ego destruído por anos de sofrimento. Agora com o apoio da família, está se recompondo através de pulos e gritos eufóricos. Ele, gato, só pula quando caça ou foge. Aqueles seres nem caçando nem fugindo estão. Não justifica tamanha tolice. O cão retomou o discurso enfatizando que poderia até propor uma teoria psicanalítica. Seria intitulada lágrimas do riso. O ser perseguido encontra abrigo e proteção após escalar boa parte dos degraus esburacados da vida. Segura o choro durante trinta anos e descarrega após ter a certeza de estar sendo aceito no grupo outrora abandonado.

 

O riso reprimido desde o tempo em que levava cascudo, desabrochava com a liberação do choro. Lá dentro do rancho muitas estórias estavam sendo contadas. A agenda atualizada em cima dos falecidos. Os novos da família já tinham ouvido falar no parente desaparecido. Agora não mais. Vivinho da silva veio alegrar a todos.

 

Passaram-se dias e as novidades foram escasseando. O parente não havia trazido dinheiro. Estava em pior situação dos que ficaram. A roupa com a qual chegou, muito cara, e os sapatos envernizados, haviam desbotados. Os ares de simpatia ficaram sérios. Uma certa manhã fez uma ligação telefônica. A partir daí todos os mimos voltaram. O homem mais rico do país havia se fingido de pobre naquele descampado sem verde. A família retomou os pulos e gritos agora fundamentados na esperança de serem agraciados pelo parente bilionário. O gato e o cachorro voltaram a miar e latir sem entender o que estava acontecendo.  

 

Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Santa Cruz/RN, 19/12/2020 – 11:53

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