RISOS
INTERESSEIROS
Chorar de alegria foi o que fez ao chegar à casa da
mãe depois de trinta anos. Ela, sempre muito durona, pedia que parasse. Ele não
se controlava. Enxugava o rosto e abraçava todos. A alegria de ver a mãe ainda
com saúde o fez rir de forma chorosa. Depois teve uma crise de riso
incontrolável. Todos pensaram que havia perdido o juízo. Mas antes de tomarem
alguma providência, acompanharam-no nas gargalhadas pulando e gritando. Era
festa na casa.
O gato olhava aquela família nunca tão contente. Até o
cachorro labrador calou-se. Seu costume era latir e se escorar na parede para
não cair de fome. Desta feita só se escorou. Escutou apreensivo o choro inicial
que abriu o cerimonial de abraços. Ficou atento, também, ao riso da comemoração.
O gato veio emitir, junto ao cachorro, sua opinião. Ficaram os dois fofocando. O labrador começou dizendo que aquilo era uma
manifestação do ego destruído por anos de sofrimento. Agora com o apoio da
família, está se recompondo através de pulos e gritos eufóricos. Ele, gato, só
pula quando caça ou foge. Aqueles seres nem caçando nem fugindo estão. Não
justifica tamanha tolice. O cão retomou o discurso enfatizando que poderia até
propor uma teoria psicanalítica. Seria intitulada lágrimas do riso. O ser perseguido
encontra abrigo e proteção após escalar boa parte dos degraus esburacados da
vida. Segura o choro durante trinta anos e descarrega após ter a certeza de estar
sendo aceito no grupo outrora abandonado.
O riso reprimido desde o tempo em que levava cascudo,
desabrochava com a liberação do choro. Lá dentro do rancho muitas estórias
estavam sendo contadas. A agenda atualizada em cima dos falecidos. Os novos da
família já tinham ouvido falar no parente desaparecido. Agora não mais. Vivinho
da silva veio alegrar a todos.
Passaram-se dias e as novidades foram escasseando. O
parente não havia trazido dinheiro. Estava em pior situação dos que ficaram. A
roupa com a qual chegou, muito cara, e os sapatos envernizados, haviam
desbotados. Os ares de simpatia ficaram sérios. Uma certa manhã fez uma ligação
telefônica. A partir daí todos os mimos voltaram. O homem mais rico do país havia
se fingido de pobre naquele descampado sem verde. A família retomou os pulos e
gritos agora fundamentados na esperança de serem agraciados pelo parente
bilionário. O gato e o cachorro voltaram a miar e latir sem entender o que
estava acontecendo.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Santa Cruz/RN, 19/12/2020 – 11:53
84-99973-4114
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