ESTADO DE SÍTIO
Valdenides Cabral
Nem sou dada a viver passeando. Gosto de paz e sossego. Da varanda, observo o parco movimento da rua. Parece que até os cachorros bateram em retirada. Sem barulho de festas, a comunidade mergulha no silêncio da madrugada. Na cozinha, preparo um chá de erva doce, com esperança de que o sono venha.
Madrugada que se arrasta, penso na cidade adormecida pelo medo. Da janela do quarto, a lua esmaece o brilho. Olho para a cama. Nem desdobrei os lençóis e o dia já se faz, para meu desespero. Depressa me deito, para que não percebam a minha insônia. Quanto tempo durará esse estado de sítio? Ninguém responde, absortos que estão nos noticiários pandêmicos.
Exilada dentro da própria casa, procuro, além dos livros que me cercam, motivos para escrever uma nova história, um novo poema. Como vou falar de esperança, se as dores do Oriente me atingiram? Tudo sangra ao redor e o inimigo se aproxima sorrateiro, invisível. Em vão, tento uma ideia luminosa para afastar esse tédio. Fecho a janela do quarto e já é tarde.
Mais uma noite, todos dormem e permaneço insone. Quero não sentir esse peso na alma, ter doces pensamentos que me façam dormir e acorda amanhã, abrir a minha janela e ouvir o arrulhar dos pombos catando migalhas na rua, ou quem sabe me alegrar com os beija-flores na varanda. Quero pensar que tudo foi uma sucessão de enganos, que atravessei esse abismo de agonias.
Abro a porta do quarto, pé direito na frente. Um outro dia me espera. Pelas notícias, tudo continua na mesma. Começo a escrever um novo poema: dói menos em mim, esse meu estado de sítio. Atravessei pesadelos montada em um cavalo negro com crinas brancas. Tirei-lhe os arreios, estamos nus, frente a frente, em jogo de batalha naval.
Excelente, Valdenides. Representa muito bem o momento preocupante pelo qual ora passamos. - Gilberto Cardoso dos Santos
ResponderExcluirParabéns Professora! Retrata exatamente o momento em que estamos vivenciando. Fatima Cortês
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