segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O 7 de setembro do nosso tempo - Rosemilton Silva


A preparação começava em agosto com ida a Natal para a compra de peles de porco – eram as melhores e as atuais de plástico não chegam nem no chinelo delas - que seriam substituídas por aquelas que já não prestavam em taróis, caixas, repiques e bombos. Enquanto isso, meninos e meninas, rapazes e moças, professores e diretores queimavam pestanas no intuito de fazer o melhor desfile e levar o título de melhor escola a desfilar.
Foi no começo da minha vida estudantil, no velho e charmoso Grupo Escolar Quintino Bocayúva, que tive meu primeiro experimento como recitador de poesia escolhida pela diretora Maria Celestina da Silveira, Maroquinha, para ser recitada no alto-falante da Difusora Irapuru, “estaiado” num pau fincado no teto do Bar do Ponto, na mais bela de todas as praças que a cidade já teve até hoje, ornada por pés de fixus benjamin e iluminada por lâmpadas no topo de postes que dizem ter vindo da Inglaterra.
Nós ainda não estávamos envolvidos na peleja entre o Ginásio Comercial de Santa Cruz e a Escola Normal, mesmo que o primeiro funcionasse à noite nas dependências do Quintino. As disputas eram comandadas pelo monsenhor Emerson Negreiros e Marluce Fiúza, diretores da Escola Normal e Ginásio Comercial, respectivamente. Disputa acirrada e igual só mesmo na apresentação do pastoril na barraca de final de semana de ano entre os cordões azul e encarnado e no leilão da festa da padroeira Santa Rita de Cássia.
A noite, já na pracinha na luz fraca do motor instalado atrás do Quintino, a disputa continuava nas acusações de que tal ou qual escola fora roubada no julgamento. Mas era sempre uma disputa levada a sério que continuou na minha geração e um pouco depois dela.
Ainda no primário, já beirando a ida para o ginásio após o exame de admissão, quando pertencia a banda de música tendo a frente o maestro Oscar, fui aprendendo este amor pela defesa da escola ao passar a ser membro da banda marcial.
Na chegada ao ginásio não foi diferente mas as responsabilidades eram outras. Juntar-se ao grupo que formava uma excelente banda marcial e aprender os malabarismos que se aplicavam a diversos instrumentos. Era aí onde o Comercial levava vantagem uma vez que a Escola Normal não estava ainda aceitando matrícula de rapazes. A escola desfilava com uma banda marcial emprestada ou formada por alguns músicos, mas não era a mesma coisa. Não tinha o mesmo charme e a consciência da defesa da escola.
Nos anos 50 e 60 havia disputa em tudo: no 7 de setembro, nos grêmios escolares, nas apresentações teatrais, nos jograis e eu tinha uma frustração pessoal: nenhuma escola conseguiu ter o coral formado pelas meninas da Escola Normal sob a batuta do nosso querido professor de português, Francisco de Assis Dias Ribeiro. Mas ficava alegre porque a música bem executada por elas não fazia parte da disputa do 7 de setembro.
Lembro de uma história que me valeu ficar em segunda época, já no tempo em que a Escola Normal tinha uma turma composta por dois rapazes – acho que teria mais, mas não lembro -, José Lino da Silva e Cícero Romão, duas figuras que se destacaram em suas profissões a ponto de José Lino deixar a Embratel e montar sua própria empresa e Cícero Romão ter sido, recentemente, presidente de um tribunal em Brasília.
Pois bem. Terezinha Cury diretora da Escola Normal, com quem eu tinha uma excelente ligação, decidiu que a escola não desfilaria naquele ano e, para não passar em branco, organizou um passeio a praia de Tibau, em Mossoró, onde tinha à disposição a casa de uma pessoa que não lembro quem era.
Como éramos muito ligados a escola, eu, Manu e João Bosco, fomos convidados a integrar o grupo juntamente com Zé Lino. Padre Raimundo havia baixado uma portaria – como sempre fez -, onde determinava que o aluno faltoso no desfile teria zero em todas as matérias de setembro. Não acreditei muito, até porque era a primeira edição da portaria e eu me arvorava de amigo dele.
Lá fomos nós no rumo de Tibau, felizes da vida. Eu e Bosco – João Bosco de Oliveira -, fazíamos parte da banda marcial. Foram três dias muito divertidos. A gente era uma espécie de guarda-costas do mulheril. Voltamos e ficamos sabendo que a promessa seria cumprida e foi observado no boletim entregue na primeira semana de outubro.
Isto me rendeu uma segunda época em algumas matérias, entre elas Português que tinha como titular nada mais, nada menos que padre Raimundo. Não tinha escapatória, eu sabia. As outras duas matérias eram Ciências, com João Vital e matemática com José Amilton. No dia da prova de português fui chegando devagarinho, manso, manhoso, mafioso, com olhar lânguido, esgueiro e ele só me observando. Lá pras tantas, num gesto como tantos outros que ví por trás daquele rosto carrancudo, sisudo, ele me disse: “Você vai fazer a prova com José Amilton, porque comigo você não passará. Mas não pense que será moleza, mas será mais branda que a minha”. E foi, mais branda mas nem por isso deixou de ser uma prova complicada. Eu havia me preparado como forma de mostrar que tinha condições de passar, estava afiado e consegui um 7,5, quase não passava de ano porque precisava de 7,1.

Depois, fui até ele, agradeci mas antes pedi perdão e demonstrei que sabia ter desafiado e que não podia me prevalecer da amizade para tirar vantagens próprias. Foi a primeira grande lição que aprendi com ele.

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