sexta-feira, 18 de setembro de 2015

BRENO (Cláudio Edijanio de Araújo)


BRENO

Autor: Cláudio Edijanio de Araújo
Pseudônimo: Ali Santiago


A tarde estava quente e abafada, apesar da chuva fina que caía. Por baixo do asfalto, a terra exalava seu bafo como alguém que suspira cansado. E no recanto da praça, uma multidão de curiosos começava a se aglomerar ao redor dos dois corpos caídos e desacordados. Um deles era Breno. Muitos ali o conheciam. A água empoçava em seu ouvido, formando um veio que escorria para a areia e seguia por força da gravidade, indo avermelhar-se na poça de sangue que se formava na parte posterior de sua cabeça. O outro era um homem sem identificação, um desconhecido naquelas redondezas. Apresentava dilacerações profundas nos braços, no tórax e no rosto. 

O homem, caído em forma de concha, jazia imóvel e Breno pouco a pouco começava a recobrar os sentidos. “O que aconteceu?”, Perguntaria se o pudesse. Tentou mexer a cabeça. Tudo doía. Sentia-se tonto e o ar tornara-se denso. Tentava agarrar cada molécula de oxigênio, em um esforço tremendo para continuar respirando. Virou os olhos ainda entreabertos, viu no chão o pequeno objeto metálico com o cano ainda fumegante e, a seu lado, o homem caído. As pessoas ao redor se perguntavam se o homem estaria vivo, mas Breno sabia que ele estava morto. Tinha certeza. Seu coração estava silencioso. 

Então qual uma avalanche, as lembranças chegaram e o temor tomou conta de sua alma. Onde estava Amanda? 

Amanda era sua paixão. Ele era bem mais novo que ela. Ele a amava. Desde o primeiro momento em que a viu ele a amou. E sempre que sentia aquelas mãos delicadas em seu corpo, o cheiro delicioso daquela pele fina e frágil, era como se ele fosse explodir de alegria. A euforia o dominava e seus olhos brilhavam de felicidade sempre que a via pela manhã. 

“Onde está Amanda?”, gritaria ele se tivesse voz, mas não conseguiu emitir som algum. 

Minutos atrás eles passeavam alegres. Embora o dia estivesse nublado, arriscaram sair. Amanda não levou uma sombrinha, apenas colocou um chapéu, daqueles de tecido, com uma rosa na lateral esquerda. Como de costume, havia comprado pipocas e, sentada no banco central da pracinha, dividia o lanche com ele, reclamando do modo como ele comia: bem mais rápido que ela. 

De repente começou a chover e ela o chamou para se abrigarem embaixo do pé de castanhola que ficava no finalzinho da praça. 

Chovia e ela o provocava. Fingia que ia dar-lhe uma pipoca, comia. Ria dele. Era o jogo deles. Era sempre assim e se divertiam muito. 

De repente foram assaltados por uma lufada de vento que arremessou o chapéu de Amanda para longe. Breno correu para pegá-lo, alcançando-o já no outro lado da praça. Foi quando aquele homem apareceu. Agarrou Amanda e a arrastou para trás da árvore. Foi muito rápido, mas Breno ouviu o som de tecido rasgando-se e sentiu o cheiro doce do perfume de Amanda espalhar-se no ar. Olhou na direção da árvore e não a viu. Não a viu, mas ouviu um gemido. Era a voz dela. Ele enlouqueceu. Sua respiração tornou-se forte e acelerada, o coração parecia querer romper seu peito. Sentiu o sangue ferver e seus olhos tornaram-se faróis em brasa. Correu o mais rápido que pôde e em poucos segundos estava frente a frente com Amanda e o agressor. O homem não esperava que a garota estivesse acompanhada e a usou como escudo. Ele apertava o pescoço dela com força, asfixiando-a.

Breno era forte, rápido e destemido. Olhou o homem nos olhos e por uma fração de segundo ambos viram o futuro. Sabiam o que aconteceria. Ouviu um estampido e sentiu um beliscão na barriga. Havia tomado o primeiro tiro. O sangue esguichou para fora. A adrenalina esguichou para dentro. Amanda gritou por socorro e levou um soco que fez sangrar seu lábio inferior. Breno não aguentou ver a cena e partiu para cima daquele homem, que desferiu o segundo tiro. Errou. E Breno, agora dominado pela ira, sabia o que tinha que fazer. Precisava acabar com aquilo. Amanda era sua responsabilidade e não descansaria até que ela estivesse a salvo. Agarrou o homem pelo braço para que ele soltasse a garota. O homem urrou, esbravejou de dor e acabou por não conseguir manter Amanda sob seu domínio. Perdeu a única coisa que o resguardaria. Decidiu correr. Tarde demais. Desferiu o terceiro tiro. Agora contra a garota, mas Breno, em uma agilidade espantosa, instintivamente atravessou-se entre eles e caiu. De sua cabeça o sangue começou a jorrar. Então pulou sobre o homem. Parecia um titã. Não durou muito e Breno perdia a consciência, mas não antes do homem também perder a sua. 

Agora estava ali, arfando naquele chão fétido, sentindo a visão faltar-lhe e vendo o corpo do homem ser recolhido para a maca. 

– Esse aí também não vai durar muito!, Exclamava um transeunte, apontando para ele, como se o próprio Breno não soubesse. 

Subitamente, aquele cheiro! Sim, Ele sabia. Era ela… Ele moveu a cabeça para vê-la melhor. Fez um esforço notável para tomar fôlego. 

Amanda estremeceu ao vê-lo. Abaixou. Ela o acariciou e o beijou. 

– Obrigado por tudo! – Foi só o que ela conseguiu falar. 

Uma lágrima escorreu de sua face e tocou a face de Breno. 

– Aguente firme querido! – Ela pedia enquanto o abraçava. 

“Só estava esperando você, minha querida!”, ele quis dizer em um uivo melancólico que mais parecia uma ode. 

Breno balançou a cauda, lambeu as mãos de Amanda e fechou os olhos, como sempre fazia, mas desta vez para sempre. 

Parecia sorrir. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”