No lugar onde vivo, há
poucas pessoas se olharmos do lado de fora, e tanta gente, se considerarmos
apenas nosso próprio interior. Daqui de dentro, tudo parece grande, o pouco
parece muito e o muito é inimaginável.
No lugar onde vivo, pouco
chove, mas quando isso acontece, é como se todo o ser que respira fizesse uma
pausa a fim de sentir melhor o cheiro da terra molhada. Os compromissos são
facilmente cancelados, pois aulas, cultos, missas e encontros podem até ser à
prova de esquecimento, mas não à prova d’água da chuva! Os irritadinhos soltam
logo o provérbio: “Parece que o povo desse lugar é todo feito de açúcar e se desmancha
na chuva!”, mas não é isso, não. Acontece que a chuva desse lugar carece de
atenção especial, ela sozinha dá conta de um espetáculo inigualável que poucos
há que se atrevam a sair às ruas disputando com esse cenário. Preferindo a
maioria ficar quieta e calada, no íntimo do seu lar, aguardando o espetáculo
passar.
No lugar onde vivo, tem
sempre novena no mês de maio, representação de uma religiosidade que, por
vezes, só se percebe nos eventos anuais. Nesse mês, muitas pessoas lembram-se
das graças que alcançaram ou pretendem alcançar, e se reúnem a fim de se
convencerem de que os seus dias estão para chegar.
Há aqueles que,
trabalhando duro e recebendo pouco, deixam para renovar suas parelhas de roupas
nesse mês, pois é um dos meses mais importantes no lugar onde vivo, senão o
principal. O lugar, então, fica em polvorosa: as ruas coloridas, as casas mais
musicais e até a feira fica mais farta, pois além de venderem os alimentos
cotidianos, vendem-se também anéis, pulseiras, chaveiros e toda espécie de
penduricalhos que muitos insistem em considerar necessários para nossa atual
subsistência. As crianças desfilam nos parques de diversão como bonecas de
porcelana, miniaturas perfeitas de suas vaidosas mamães.
Ainda no mês de maio há
muitas apresentações musicais, que vão desde os alunos que, deixando os livros,
equilibram-se pelas cordas vocais propagando ao mundo seus talentos, até aos
roqueiros que, no lugar onde vivo, também curtem quadrilhas juninas e procissão
e se reúnem na praça, após as novenas, com suas camisetas pretas, seus piercings no nariz e o terço pendurado
no braço, porque fé nunca lhes é demais.
No lugar onde vivo tem
apenas um sebo, mas ele abriga em si a representatividade do mundo. É muito bem
gerenciado por um homem que demonstra amar seus livros mais que vendê-los, pois
sempre que passo por lá, o vejo debruçado sobre as letrinhas encardidas, como quem
se despedisse delas antes que um comprador desinteressado apareça.
O lugar onde vivo tem
muitas pessoas que já sofrem de velhice antes dos trinta, como aquele Severino
já citado em outros textos. Foram crianças que, esquecendo-se dos brinquedos,
brincaram cedo demais com as coisas sérias da vida...
No lugar onde vivo, há
tanta gente carregando seus traumas literalmente nas sacolas, como uma pessoa
que, após ter sua casa roubada, não sai sem levar todos os seus pertences,
temendo a repetição do infortúnio. Lá se vão elas, subindo e descendo ruas,
como O Peregrino, de John Bunyan, carregando seus fardos nas costas... Daqui é
possível ver como andam corcundas, deve ser o peso do medo de se descobrirem sós...
de se enxergarem a sós e descobrir quem são... quem somos...
No lugar onde vivo, às
vezes, as pessoas parecem pequeninas como as formigas, achando-se tão grandes
em suas posses e aptidões. E eu, que nunca bem entendi essa essência da
grandeza, tantas vezes me senti um peixe fora d’água, daí talvez a falta de ar.
Outras vezes lembro que as formigas, mesmo sendo tão pequenas, são capazes de
grandes feitos e sinto que gostaria de ser como elas e que meus semelhantes
fossem mesmo formigas, capazes de reconhecer no outro uma extensão de si mesmos,
assim enxergaríamos mais amor no lugar onde vivo.
O lugar onde moro
tantas vezes não me cabe... O lugar onde vivo é bem aqui, dentro de mim.
Cecília
Nascimento
24/06/2015
Uau! Perfeito! Aplausos!
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