Além de incorrigível boêmio, Aneniano era o artista mais famoso de Mericó. Cantava, tocava violão, encantava as moças a alimentava as noites de boemia daquelas redondezas.
Os mais jovens nutriam por ele grande admiração. As moças deliciavam-se com o seu cavalheirismo, seus galanteios, sua voz possante e seu violão que só faltava falar. Além do mais, era um jovem bem apessoado, vestia-se elegantemente para os padrões da cidade, dançava muito bem, conhecia vários poemas de cor e, vez ou outra, escrevia um verso para uma das suas transitórias e incontáveis musas.
Já os mais velhos, pais ou mães das jovens alvos dos seus galanteios, talvez o admirassem e, até, invejassem, mas não demonstravam. Viviam desfiando colares de contas nada elogiosas ao seu respeito:
- Um vagabundo, isso é o que ele é! Um preguiçoso que vive às custas do aposento do pai que lutou na guerra.
- Lutou nada, compadre Boré! Fez só chegar lá e voltar. E só por isso recebe uma bolada do governo todo mês. Mas que o sujeito é um desocupado, enganador das filhas dos outros, isso é verdade!
- Mas cá pra nós, compadre Chico, parece que esse cabra é muito é frouxo. Só tem mesmo farofa e conversa bonita. Se um de nós, no nosso tempo, tivesse um bando de cabocla assim, correndo atrás da gente, a desgraceira era grande! Não era não, compadre?
- Ora se era, compadre! Pelo menos uma dúzia de meninos a gente já tinha espalhado por esse mundão de Deus.
Naquela noite, por volta das doze horas, plantado no patamar da igreja, inspirado e desejando fazer-se ouvir por Jaqueline que, além de bonita, acabara de chegar de Cuité, onde concluíra o Ginásio, cantava ele a todos os pulmões: “Tu és a criatura mais linda que os meus olhos já viram...”. E saindo um pouco do transe provocado pela inspiração e pela bebida, abriu os olhos e viu, de fato, uma criatura, bem à sua frente: Pés acima do chão, vestes brancas esvoaçantes e tez acinzentada como se fosse feita de fumaça. Não era a criatura mais linda do mundo. Era aterradora.
Niano, como era carinhosamente chamado, arrepiou-se todo, sentiu a língua travar, as pernas tremerem e a sensação de ter os pés colados ao chão. Somando suas últimas forças, jogou o violão para o alto fazendo-o espatifar-se escada abaixo e, desgrudando-se de onde estivera plantado, lançou-se em uma corrida tresloucada para casa.
A carreira foi tamanha que nem conseguiu parar para abrir a porta. Derrubou-a com o ombro e caiu quase sem fôlego, sem fala, no chão de tijolo aparente da sala, provocando grande alvoroço na família e na vizinhança.
Alguns meses depois, Aneniano arrumou um emprego de auxiliar de serviços gerais na prefeitura e casou-se com a moça que, há quase uma década, enganava com um noivado que parecia não ter fim.
Nunca mais tocou violão, nem cantou, nem bebeu, nem saiu à rua depois das oito horas da noite.
Aldenir Dantas, HISTÓRIAS MAL CONTADAS DAS TERRAS DE MERICÓ.
Os mais jovens nutriam por ele grande admiração. As moças deliciavam-se com o seu cavalheirismo, seus galanteios, sua voz possante e seu violão que só faltava falar. Além do mais, era um jovem bem apessoado, vestia-se elegantemente para os padrões da cidade, dançava muito bem, conhecia vários poemas de cor e, vez ou outra, escrevia um verso para uma das suas transitórias e incontáveis musas.
Já os mais velhos, pais ou mães das jovens alvos dos seus galanteios, talvez o admirassem e, até, invejassem, mas não demonstravam. Viviam desfiando colares de contas nada elogiosas ao seu respeito:
- Um vagabundo, isso é o que ele é! Um preguiçoso que vive às custas do aposento do pai que lutou na guerra.
- Lutou nada, compadre Boré! Fez só chegar lá e voltar. E só por isso recebe uma bolada do governo todo mês. Mas que o sujeito é um desocupado, enganador das filhas dos outros, isso é verdade!
- Mas cá pra nós, compadre Chico, parece que esse cabra é muito é frouxo. Só tem mesmo farofa e conversa bonita. Se um de nós, no nosso tempo, tivesse um bando de cabocla assim, correndo atrás da gente, a desgraceira era grande! Não era não, compadre?
- Ora se era, compadre! Pelo menos uma dúzia de meninos a gente já tinha espalhado por esse mundão de Deus.
Naquela noite, por volta das doze horas, plantado no patamar da igreja, inspirado e desejando fazer-se ouvir por Jaqueline que, além de bonita, acabara de chegar de Cuité, onde concluíra o Ginásio, cantava ele a todos os pulmões: “Tu és a criatura mais linda que os meus olhos já viram...”. E saindo um pouco do transe provocado pela inspiração e pela bebida, abriu os olhos e viu, de fato, uma criatura, bem à sua frente: Pés acima do chão, vestes brancas esvoaçantes e tez acinzentada como se fosse feita de fumaça. Não era a criatura mais linda do mundo. Era aterradora.
Niano, como era carinhosamente chamado, arrepiou-se todo, sentiu a língua travar, as pernas tremerem e a sensação de ter os pés colados ao chão. Somando suas últimas forças, jogou o violão para o alto fazendo-o espatifar-se escada abaixo e, desgrudando-se de onde estivera plantado, lançou-se em uma corrida tresloucada para casa.
A carreira foi tamanha que nem conseguiu parar para abrir a porta. Derrubou-a com o ombro e caiu quase sem fôlego, sem fala, no chão de tijolo aparente da sala, provocando grande alvoroço na família e na vizinhança.
Alguns meses depois, Aneniano arrumou um emprego de auxiliar de serviços gerais na prefeitura e casou-se com a moça que, há quase uma década, enganava com um noivado que parecia não ter fim.
Nunca mais tocou violão, nem cantou, nem bebeu, nem saiu à rua depois das oito horas da noite.
Aldenir Dantas, HISTÓRIAS MAL CONTADAS DAS TERRAS DE MERICÓ.
HISTÓRIAS BEM CONTADAS DE MERICORONEL (ANTIGA MELÃOCÓ)A CUITÉ
ResponderExcluirPor Aldenir Dantas.
Ótimas!
HISTÓRIAS BEM CONTADAS DE MERICORONEL (antiga Melãocó) a CUITÉ.
ResponderExcluirValeu, mestre!
Voce já está inventando coisas, meu caro Gilberto rsss.
ResponderExcluirMas conta-se que o nome Melão gerou uma máxima: Morador de Melão, se não é corno, é ladrão. Daí um chefe local, incomodado, resolveu mudar o nome para Jericó. Lembro que minha avó sempre chamava Jericó, numa Melão. Mas a mudança não colou e depois veio o tal do Coronel.
Valeu, grande!
Aldenir Dantas
História bem contada e com riqueza de detalhes, gostei muito.
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