quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

FÉRIAS OLEOSAS - Gilberto Cardoso dos Santos



Nestas férias, resolvi pesquisar sobre saúde. Vocês sabem como é: quarenta e sete anos, é bom começar a prevenir. Descobri, para nossa surpresa e desconfiança, que o ovo pode ser comido à vontade. O que o torna prejudicial é a fritura. Todavia, se frito em óleo de coco não causa mal nenhum. O óleo de coco, que protagonizará esta crônica, é uma verdadeira panaceia. Riquíssimo em ácido láurico, fortalece o sistema de defesa do organismo. Mesmo depois de usado numa fritura, pode ser reutilizado. Qualquer outro óleo que se utilize em frituras é prejudicial. Esqueçam óleo de canola, girassol ou algodão. Azeite de oliva é bom, mas só cru.

Saí em busca de um vendedor de óleo de coco e quase não pude achar. O único que encontrei depois de muita procura me disse que fazia sempre, mas não dava pra quem queria; no momento tinha apenas uns dois dedos. "Quer?" "Quero!" E comprei por 5 reais. Mas aquilo não dava pra nada, pois minha mulher se empolgara com a coisa e queria tomar umas duas colheres por dia, conforme ouvira um especialista aconselhar, para prevenir enfermidades diversas e para ficar magérrima como Giselle Bünchen. Ela lembrou-me da avó que utilizava o óleo para amolecer feridas, para estirar os cabelos... mas advertia: não pode ser bebido! Então decidi: eu mesmo extrairia o óleo. Primeiro fui ao Google, que é o mais entendido no tema atualmente. Lá encontrei a receita. "Muito simples", pensei, e fui à rua atrás de cocos.

Comprei dois grandes, cheios d’água. A receita dizia que com quanto mais água melhor. Não deveriam ser muito secos. Quando falei do propósito, o vendedor me disse que óleo de coco é um santo remédio, mas que não é todo mundo que consegue fazer. Tem que ter a cabeça boa, disse ele, e sua afirmação foi confirmada por uma senhora que se achava ao lado. Disse que se a pessoa não tiver a cabeça boa, usa um bocado de coco e no final não dá nada. “É uma ciência”, arrematou o vendedor. Fiquei sem saber o que eles queriam dizer com cabeça boa e saí dizendo a mim mesmo: “Se cabeça boa for o que estou pensando, vou me tornar o maior produtor de óleo de coco da região!”

Fui à procura do rapa coco. Havia de dois tipos: um com cabo de madeira, normal, e outro de alumínio em formato de peixe. Ainda podia optar entre rapa coco com ou sem furo para passagem da raspa. Optei pelo de alumínio por parecer-me mais resistente. Pensei nos muitos cocos que a partir daquele teria que raspar para obter o precioso óleo. Pechinchei com o vendedor e enquanto pedia o abatimento chegou um senhor, também mangaieiro; este me contou a história de alguém desenganado pelos médicos, que tomara óleo de coco e ficara totalmente curado. Ainda hoje tá vivo! “Abaixo de Deus, meu filho, não há remédio melhor! Pra problemas nas partes, na prosta, é tiro e queda!”. Um senhor ao lado, ao ouvir a menção a Deus, tirou o chapéu e confirmou o dito.

Quando estava pagando o rapa coco, chegou a mulher do vendedor. Fui informado por este que a mulher dele também produzia óleo de coco, mas que o óleo dela era muito caro. Acrescentou: Essa mulher não tem a cabeça boa, professor. Pra fazer um litro de óleo ela gasta uns cem cocos! A mulher não gostou do que ouviu e replicou: “É não, abestalhado. É que o óleo é pouco mesmo. Vai fazer pra tu ver!” O pior veio depois quando o mangaieiro disse por quanto havia vendido o rapa coco. A mulher disse que ele é que não tinha a cabeça boa e ficava falando dela. Daquele jeito eles iriam à falência. Onde já se viu, o rapa coco tinha sido comprado por um preço alto e ele estava me entregando quase de graça. Ele retrucou que aqueles rapa cocos estavam boiando fazia tempo. Era melhor vender que deixar encostado. Ela disse: Foi mesmo que dar o rapa coco a ele. “Pronto!”, disse o vendedor. "Faz de conta que eu dei de presente a ele nesse começo de ano." Para desfazer o clima e dando uma de quem não tinha nada a ver com o “peixe” – resistindo firmemente ao impulso de devolver o rapa coco ou à ideia de pagar alguma diferença - perguntei o valor do óleo e ela me ofereceu uma garrafinha de nada – um protótipo - por vinte reais. Saí em silêncio enquanto o vendedor dizia: “Eu não disse que o óleo dela era caro, professor?”

Na verdade eu estava muito feliz ante a possibilidade de extrair meu próprio óleo, em condições higiênicas desejáveis e a baixo custo. Ah, faltou um detalhe: antes tive que comprar um liquidificador – elemento imprescindível conforme vi na receita. O nosso não prestava mais pra nada. Chegando em casa, dei início à grandiosa tarefa de produzir o miraculoso líquido que, junto a outros cuidados que estou tendo, me permitirá ultrapassar a casa dos cem completamente saudável, com o vigor de um adolescente. Parti o primeiro coco, enorme, mas estava podre, tive que descartá-lo. Fui para o segundo e deu certo. Com o peixe de alumínio nas mãos, pus-me a raspar a deliciosa polpa branca quando, de repente, graças à minha inabilidade, ao invés de raspar o coco raspei o pulso direito (sou canhoto). Os dentes metálicos do peixe deixaram quatro rastros vermelhos e lá se foi a higiene pretendida pois parte da polpa ficou ensanguentada. "E agora?", pensei. Fui ao frasquinho onde estavam os dois dedos de óleo adquiridos a duras penas e apliquei algumas gotas no pulso, pois aprendera que pra ferimentos não há melhor. Depois de isolar a parte sulcada, retomei a árdua tarefa, ciente de seu alto grau de periculosidade. Ainda bem que eu tinha um coco de reserva, comprado na semana anterior (um só me parecia insuficiente). Parti este terceiro apreensivo, mas vi que ele já estava largando o óleo naturalmente. Pareceu-me no ponto.

No liquidificador coloquei a rapa com a água recolhida dos próprios cocos e esbagacei tudo. Escorri o leite numa peneira, coloquei o bagaço num pano e espremi até fazer caretas. Era o leite pingando e o suor caindo. Agora, vinha a parte pior: ter que esperar quarenta e oito horas, conforme prescrevia a receita, para que, incubados num lugar completamente escuro, os componentes do coco se separassem naturalmente. Passei o sábado e o domingo na maior ansiedade. Eu queria fazer aquilo sozinho. Não permitiria que alguém metesse a mão em meu precioso óleo pelo qual até sangue verti. No domingo à tardinha fui à vasilha, guardada “debaixo de sete chaves” na despensa. Despi-a com delicadeza, como um recém-casado despindo a esposa. E o que vi na vasilha de vidro? Duas camadas. Uma enorme, líquida, tendo por cima uma baba branca, fininha, que me pareceu ser algum bagaço de coco que escapara pelas malhas do tecido. Tirei aquela baba. Minha esposa, sabedora dos múltiplos usos do coco, pediu para tentar fazer algo com ela. Quem sabe, se levada ao fogo não daria uma farofa?

Na vasilha ficou uma quantidade enorme de líquido. Pensei comigo: Agora vem a penúltima parte da receita. Vou colocar o líquido numa garrafa plástica e deixar passar um tempo. Depois de mais 3 ou 4 horas o óleo se separará da água e eu terei o precioso remédio para muitos dias. A última etapa seria colocar a garrafa plástica com os líquidos separados no congelador para que se solidificassem. Por fim, deveria cortar o recipiente rente à faixa do óleo e ufa: em temperatura ambiente deixaria que o óleo extraído a duras penas voltasse à sua forma natural. Nessa bendita noite, tão cheia de expectativas, minha sogra (mulher que conhece coco como a palma da mão. Quenga, por exemplo, ela diz conhecer à distância) veio jantar conosco e provou da deliciosa farofa preparada por sua filha. Eu também comi e achei-a um manjar dos deuses. Pena que era tão pouca! Quando a amada sogra – única da espécie que me faz ter ofiofilia - foi à geladeira e viu a garrafa no congelador, perguntou o que era. Minha esposa explicou o processo todo, a história da baba que eu tinha descartado... “Vote!”Exclamou a Micrurus corallinus, “e ele vai fazer o óleo com quê?” Em seguida explicou que o óleo se achava justamente na baba que eu havia pretendido jogar fora.
Bem, o que restou disso tudo? Muitas risadas naquela noite, que atrapalharam nosso sono; quatro riscos no pulso, parecidos com marcas deixadas por unhas de gato; uma garrafa Peti com uma substância que minha esposa vai tentar transformar em farofa ou vinagre de coco e um desejo enorme de saber onde posso comprar o óleo virgem, barato, produzido sem cozimento.




16 comentários:

  1. kkkkkkk. Depois dessa Gilberto aposto que você nunca mais vai querer se arriscar a fazer óleo de coco, não é verdade? Por mais caro que seja é melhor comprá-lo já pronto, pois fazê-lo não é pra qualquer um.

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  2. Francisca Joseni dos Santos29 de fevereiro de 2012 às 19:15

    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk estou rindo com a visão de Gilberto encarando os "doze trabalhos de Hércules" para conseguir o tão sonhado e miraculoso óleo de coco.
    Brincadeiras à parte, realmente o óleo de coco é um santo remédio para curar ou prevenir determinadas doenças. Cresci ouvindo meus avós e minha mãe bendizendo o efeito curativo deste bendito óleo, exceção feita ao uso no cabelo pelo "cheiro nada cheiroso" que fica no couro cabeludo. Tenho um filho com quase cinco anos e me habituei a dar óleo de coco em doses homeopáticas e até hoje ele nunca apresentou nenhuma doença relativa aos pulmões, gripe, catarro no peito ou afins - doenças comuns à tenra infância - tenho uma grande amiga de São Gonçalo do Amarante que o faz para mim, aliás Ela tem "uma cabeça boa", mais ou menos a mesma "cabeça boa" para fazer "manteiga da terra". Deste modo uso o óleo de coco artesanal e tradicional. O óleo de coco feito à frio se encontra nas lojas de produtos naturais na Rua Princesa Isabel - Centro - Natal - RN. Acredito que sairá bem mais em conta do que fazer a via sacra realizada por você. Um detalhe se você tivesse ido direto ao endereço citado certamente teríamos perdido este brilhante texto escrito e não teríamos dado boas gargalhadas visualizando sua labuta para alcançar seu objetivo. kkkkkkkkkkkkkkkk.

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  3. rsrsrs! Verdade, Adriano. Aliás, vc deveria começar a usá-lo nas massagens.


    Joseni, obrigado pela dica, pelo incentivador testemunho e apreciação do texto! Abçs.

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  4. kkkkkkkkkkkkkkkk vc é o máximo,poeta...poeta,palhaço,humorista,professor e sei mais lá o quê. rsrs O famoso óleo de coco é a tal da relíquia para os pobres,não é grande mestre?.
    kkkkkkkkkkkkk

    Joana

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  5. rsrsr! Obrigado pelo comentário, Joana. Abçs.

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  6. curtindo esse inteligente texto e ouvindo esse forrozinho,parece até que estou sentado na varanda da casa do sítio tal .rsrsrs e minha mãe esfregando óleo de coco nos meus cabelos arredondado p/ ficar estiradinhos. kkkkkkkkkkkkk mas lembro do tal do ovo com abacate que era uma mistura fantática. kkkkkkkkkkkkk depois a podridão era grande,cara.

    Abraçoss!

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  7. kkkkkkkkkkkkkkkkkkk muito inteligente!

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  8. Grande Gil, quando tinha 9 anos de idade tive uma impigem na batata lateral da perna esquerda. Pense numa relação de amor e ódio entre nós dois! Mas o meu gato Branquinho e um frasco de óleo de coco, que mamãe usava nos cabelos e estava em riba duma mesa, pôs fim a essa relação. Numa das grandes brigas entre nós, eu e a impigem, eu a unhava, ela coçava, unhava, coçava,coçava, unhava... foi briga grande! Aí vi aquele frasco de óleo de coco e...pelo sim, pelo não, com muita dificuldade, cansado, todo machucado(como os mocinhos do cinema), me arrastei até a mesa e peguei o frasco, dei uma dedada no óleo e pum, pegue, pegue, pegue, fie de rapariga! Afoguei a impigem. Branquinho, que estava por perto, deu uma lambida, deu uma linguada na briga e ... uauuuu, aquela língua de lixa, uauuuu, mais dedada de óleo ...lambidas...uauuu, lambidas,óleo,lambidas, mais, mais, mais, hummmmmm, e a impigem ...coceira, coceira,coceira, lambidas, dedadas, óleo, coceira, lambidas, uauuu, hummmm... a briga foi grande! Minutos depois, o frasco secou, o gato, bem, o gato cagou duas semanas, eu levei um par de grito de mamãe mais 10 lapadas de correia de ferro de engomar no lombo, pelo prejuízo dado, e a impigem morreu. A verdadade é que até hoje pensava ter sido a saliva do gato, que dizem ser cicatrizante, a responsável pelo assassinato daquela intrusa micose querida. O seu texto é excelente; seu óleo, milagroso! Mas a impigem, a coceira, o óleo e as lambidas do gato, hummmm, inesquecíveis!

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  9. Francisca Joseni dos Santos1 de março de 2012 às 18:19

    Gilberto!!!!!!
    acrescento ao meu comentário que também realizei uma viagem imaginária pelas ruas da minha querida Santa Cruz - RN acompanhando os seus passos na extensa "feira de mangaio".

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  10. Depois de lê um texto como este, do excelente Gilberto, fico mais solto para o resto do dia.
    Parabéns poeta!
    Um abraço!

    Zenóbio Oliveira

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  11. rsrsrs! Essa mistura de ovo com abacate, depois de certo tempo deve feder muito mesmo! rsrs

    *******

    rsrs Valeu, Joseni.

    Nailson, dei boas risadas imaginando a cena que vc descreveu. rsrsrs Obrigado pelo incentivo. Penso que a língua do gato deslizando no óleo de coco lhe concedeu uma experiência orgásmica. rsrs
    Abçs.

    ***********

    Muito obrigado, Zenóbio! Continue a nos enviar seus excelentes textos.

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  12. KKKKKKKKKKK ESSE GILBERTO E ESSE NAILSON SÃO DEMAIS! KKKK EU TB USAVA ÓLEO DE COCO NO CABELO...MAIS CRIAVA UM PIOLHO DANADO. KKKK DIZEM QUE A PESSOA QUE TOMA ESSE ÓLEO,QD CRESCE TEM FANIQUITO NO RABO. KKKKKKKKKKKK MAIS O DANADO É BOM,É REMÉDIO P/ POBRE MERMO.

    JOSÉ

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  13. "E agora, José?"

    Coitado do gato de Nailson!

    rsrsrs Ainda bem que só comecei a consumir óleo de coco depois de velho. Na verdade, ele parece estimular a produção de testosterona. Já foi remédio de pobre. Hoje é caro. rs Gilberto Cardoso dos Santos

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  14. rsrs. O olho do meu cachorro estava ficando acinzentado. Aconselharam que eu fizesse alguma coisa, do contrário ele iria cegar e ensinaram pingar uma gota de olho de coco várias vezes durante o dia. Foi assim que o bichinho melhorou , mas ouvi falar que neste caso não é recomendável para uso humano. Portanto , cuidado!

    Fiquei curioso, Gilberto , quanto a receita de farofa de óleo de coco. Qualquer dia desses passo aí para colocarmos os assuntos em dia e daqui pra lá , se você tentar fazer o óleo , quem sabe... teremos uma boa farofa para saboerear aí. rsrs

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  15. rsrsrsrs! Estão vendo? Uma ferida foi curada, um gato se livrou de prisão de ventre e um cachorro recuperou a vista.
    Valeu, Maciel!

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  16. menino,só quem tá bombando no blog. arrazouuuuuuuuuuuu caba! rsrs

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