Às vezes nos perguntam sobre gosto musical entre outros tantos. Meus ouvidos aprovam de tudo e de tudo um pouco. Sou leigo para diferenciar estilos musicais , simplesmente escuto , simpatizo e pronto. Nunca me prendo a um CD ou algo do gênero por completo, por isso desde quando fita magnética estava no auge, aquelas que me pertenciam tinham sempre a inscrição: músicas variadas. Isso vai de música evangélica à música clássica, saio catando (catando e não cantando). Difícil é querer a música sem saber o título, o nome, mas vai assim mesmo. Tenho vários gostos e gosto quando a criatividade de quem compõe ou canta se faz presente em sua intensidade. Esse debruçar-se sobre a criatividade de outrem vai até além do que acontece na música, já que pode estar presente também numa simples palavra, num texto, numa propaganda. Digamos propaganda de sandália. Foi aqui de casa que ouvi outro dia: Calma, calma, não precisa empurrar! Dá pra todos! Levantei-me do balanço da rede, caminhei em direção à varanda e deparei-me com um carro de vendas, cujo vendedor estava solitário na esquina, depois o escutei anunciando sobre um chinelo que segundo ele dava pra se usar até pra ir pra festa. Verdade! Pra mim já é a festa, já que espontaneamente nos convidam a sentir-se bem no nosso mundo e modo singular de vida. E por falar em convite, há pouco passou um anunciante num carro de som falando de um salão de beleza para a mulherada, com um remate irresistível: Agende a sua transformação! Abraço isso tudo e esse povo, respeitando assim o pedido de Drummond: Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas... O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. (Mãos dadas).
O que me prende são os laços dos sentimentos envolvidos, quer seja na propaganda, na música, na oratória, no poder da argumentação, da persuasão, da musicalidade, da rima, da métrica, enfim, da poesia. Este é o ponto: o encantamento da poesia. É a magia , digo, a poesia, se presente. Assisto programas evangélicos atraído muitas vezes só pelo poder da oratória de quem fala, uma vez que admiro, gosto e me considero já devidamente adestrado para neutralizar os apelos de depósito em suas contas bancárias. Isso mesmo! Assisto para decifrar por entre o carisma um quê capaz de rebanhar multidões (“Calma, não precisa empurrar!”), embora chego sempre a conclusão de que é com o poético que eles conseguem e o fazem no uso mesclado em outras coisas e assim atrai a cada um de nós.
Podemos até explicar tudo em seus compartimentos: música, propaganda, poder da palavra, mas no final dá poesia em sua essência. É igual ao que meu filho me contou quando presenciou quatro tambores para coleta seletiva do lixo e o lixeiro jogou tudo desordenadamente no mesmo caminhão, para que fosse junto e misturado. E atenção! De lixo se faz poesia, portanto não mais se joga o lixo e sim se guarda o lixo e em papel reciclado se escreve ou se desenha poemas, embora dizer isso me pareça tão redundante quanto dizer que a poesia é bela.
Ontem escutei uma versão da música o astronauta de mármore da extinta banda Nenhum de Nós e senti falta do violino, ou melhor, da poesia do violino e fiz a minha reclamação (“Desculpe estranho, eu voltei mais puro do céu”). Às vezes é um detalhe que faz a diferença. Basta, por exemplo, que a letra, a voz, a melodia ou o quer que seja me remeta para algum lugar, algum momento e pronto: virou poesia. É o caso do violino, faltou o violino. A letra acho interessante, mas é á a magia poética do violino que pra mim faz a diferença ali.
Meu filho estuda em Caicó e vive de olho numa poesia que aos poucos está sendo construída na parede de um muro. Ele tem procurado manter-me atualizado sobre o que se tem produzido por lá. Certo dia ele passou e observou escrito o que parecia conclusivo: FORA BIBI! Menção ao prefeito da cidade. De outra vez percebeu que um simpatizante do gestor municipal fizera poeticamente do F um B: BORA BIBI!, dando assim novo rumo aos fatos e logicamente à poesia. Ontem me telefonou e fez-me ciente de que aquele que iniciara, voltara lá, acrescentando um prefixo e um verbo imperativo, retomando assim a mensagem e intenção inicial: VÁ EMBORA BIBI! Meu filho-poeta não manipula este lápis-pincel, mas já pode antever um incisivo NÃO: NÃO VÁ EMBORA BIBI, ou o que os antagônicos podem acrescentar depois num sentido contrário, com um possível e simples sinal de exclamação: NÃO! VÁ EMBORA BIBI! Aguardemos, pois! E assim, não sei do prefeito, mas a poesia está indo bem.
Acho que já dá até pra decidir sobre o que está explicado aqui: não pretendo mais ouvir sobre quem quer que seja dizendo não gostar de poesia. Fica o aviso! Pois, por último, não quero voltar aqui para escrever algo além do que... Ah! Se eu te pego!
Pronto, Humberto, Rayane e Antoniel: o texto está pronto.
Prof. Maciel-Japi/RN.
Leio sempre com muito entusiasmo os textos de Maciel, parabens por mais um belíssimo texto.
ResponderExcluirMaciel é um ícone da literatura japiense. Texto legal.
ResponderExcluirObrigado meus grandes ! Estou treinando.
ResponderExcluirMuito bom maciel seu texto.
ResponderExcluirRaquel
ESSE ESCRITOR É MEMBRO DA APOES? SE NÃO FOR, DEVERIA SER, SÃO MUITOS BONS SEUS TEXTOS.
ResponderExcluirARNALDO
Obrigado , Raquel e Arnaldo! As palavras de vocês são incentivadoras. Fico feliz que gostaram.
ResponderExcluirGrande Maciel!
ResponderExcluirTenho sempre uma sensação parecida ao ler os seus textos, ou seja, de que ele nos pega pela mão e vai nos levando com poesia e sensibilidade, ora prum canto ora pra outro, nos mostrando que o simples cotidiano revela o poético nas coisas mais singelas, e aparentemente, sem importância. Gostei muito deste texto, sobretudo pelo senso de humor presente e pela ironia sutil a certas coisas do mundo da política e da religião. Foi bom ir de mãos dadas com Drummond e você! Aguardo o próximo!
Obrigado , Marcos, por suas palavras!Elas me dão pistas para que eu me ache em meio a esse mundo em que me atrevo e me arrisco a trilhar, no qual você me é referência e exemplo a ser seguido.Obrigado mesmo.
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