domingo, 12 de junho de 2011

RIMANDO MAMÃO COM ABACAXI - Gilberto Cardoso dos Santos



RIMANDO MAMÃO COM ABACAXI - Gilberto Cardoso dos Santos

Ontem, Marcos, Hélio e este que vos escreve nos deliciamos à luz da lua ao lado de um menestrel, um violeiro bem-humorado detentor de quase setenta prêmios na área da cantoria, natural de Araruna que deveria começar a cantar às 20 h mas, por motivos superiores que aqui não explicitarei, só começaria a competir com os grilos e risos dos canistas de plantão no sítio de Eromildo, depois das 22 h.

Enquanto libávamos (olha só quanto pedantismo) o rio etílico oriundo de pêssegos açucarados, severamente confinados pelo anfitrião ao vasilhame por muitos dias, ouvíamos causos e estrofes antológicas, todas ligadas às experiências do cantador cujas andanças no mundo dessa cultura marginalizada já duram 17 anos.

Falou-nos de alguém que se dizia poeta mas que de poeta não tinha nada. Quando perguntei-lhe o porquê de tal afirmação, explicou-nos que o pseudovate escrevia algumas coisas em que a rima não tirava nem fino. Acrescentou que era como querer rimar mamão com abacaxi. Rimos a valer com essa e outras expressões do loquaz paraibano, bom na prosa e no verso.

Fiquei a imaginar se a pessoa achincalhada não seria um poeta em estilo modernista, adepto do verso livre. Ou seria alguém que tentava rimar mas acabava tropeçando em versos de pés-quebrados e buscando aproximação sufixal, por exemplo, entre Jesus e Jesuíno?

Não sei. Apenas sei que há um compreensível racismo em relação ao chamado "verso branco". "Compreensível", digo, quando manifestado por pessoas afeitas ao estilo popular, pouco instruídas (na semelhança daquelas por quem o poeta Jesus diria: "Perdoa-lhes, Pai, pois não sabem o que dizem"), tal, talvez, o caso do artista que nos falava e de pessoas para quem a poesia deve ter "Rima, Métrica e Oração".

Saliento que o cérebro humano, assim como se atrai pela música, por histórias e pela simetria física, revela-se hipnotizável também no que concerne à rima. Há um anseio pela simetria e matematicidade nesse campo, tal como ocorre quando se busca um parceiro de vida ou uma Miss Brasil. Exemplo? Imagine multidões em torno de um rapper ou nós, quatro gatos pingados ontem, em torno dos cantadores. Sem querer citar e já citando um outro exemplo ocorrido durante a cantoria, baseado em cena do momento criei o mote "O cururu engoliu / A piúba de cigarro". Meu objetivo era ver a capacidade de rima e de improviso dos violeiros.

Eu, que vejo beleza em versos brancos, negros ou pardos, surpreendi-me hoje com as palavras de minha filha.

No bar da esquina, cachaceiros tentavam vencer a ressaca tomando mais uma enquanto curtiam Benito di Paula. Boa escolha não acham? Mas minha filha só começou a ouvir de fato no instante em que Benito repete:

"Eu sou como a borboleta,
laiá laiá laiá laiá..."

Em meio à repetição exaustiva, minha abelhinha (é isso o que Débora significa para mim e para a etmologia) voou até mim e falou espantada:

- Paiinho... Olha só: o cantor não sabe rimar com borboleta e fica só dizendo "laiá laiá laiá laiá..." pra completar a música!

Não resisti e fiz coro ao riso singelo e espontâneo de minha garota. Demorei a explicar-lhe enquanto me lembrava da conversa no sítio São José, receando quebrar a satisfação e o encanto daquela observação.

Depois, com calma, disse-lhe que ela estava certa em se tratando de outras músicas, que muitos cantores realmente fazem assim e citei alguns pagodes famosos que invarialmente acabam em laiá laiá laiá laiá ou algo parecido. No caso de Benito, frisei, era diferente, e cantei a parte dos versos ditos na parte da música que ela não escutou. em que Benito diz:

"Eu sou como a borboleta

Tudo o que eu penso é liberdade Não quero ser maltradado, nem exportado desse meu chão

Minhas asas, minhas armas, não servem para me defender As cores da natureza pedem ajuda pra eu sobreviver"

Com um "Ah, tá!" ela pôs termo ao nosso diálogo, mas fiquei a refletir nessa exigência de rima, de combinação, que ela e tantos outros apreciadores da arte da palavra manifestam.

E me veio a ideia de fazer um cancão (não a ave, mas aquele que resulta do ajuntamento forçado entre farinha e feijão) ou seja, esse texto descaradamente prolixo (ao contrário do cancão que tende à concatenação), que acaba de modo banal, feito conversa fiada.

P.S: Creio que ainda estou sob o efeito do licor de pêssegos.

4 comentários:

  1. Evoé baco, mano véi que texto malassombrado da gôta, merece ser publicado no besta fubana, faça isso.

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  2. Um dia maravilhoso, em que por três vezes estivemos juntos, eu, Hélio e Gilberto. De manhanzinha na Casa de Cultura recitando poesias ao lado de Débora Raquiel, Chagas Rodrigues, João Ferreira, Adriano Bezerra, Josildo e outros. Foi lá que Jorge e Eromildo nos convidaram para o divertido pé-de-parede com os violeiros Zuzinha e Pereira Santos no açude do Alívio. O outro momento foi o lançamento das duas revistas em quadrinhos do nosso amigo em comum, Antoniêto Pereira, verdadeiro herói, por sua resistência e obstinação, das histórias em quadrinhos do Trairi. Parabéns Antoniêto, a sua arte transcende à incensibilidade dos que não foram lhe prestigiar no lançamento. E finalmente um brinde de pêssego à sua crônica Gilberto!!

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  3. Hahaha! Será que há vez para escritos de padres iniciantes no BF, Hélio? rsrs

    Verdade, Marcos. Um dia recheado com muita cultura.

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  4. Parabéns Gilberto!
    Vc nem precisa de comentários rsrs é homem culto,mas defendo nossa cultura,não importa a expressão do cidadão/poeta.
    "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena"
    (Ferreira Gular)

    João.

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