quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

A BÚSSOLA DO MEDO

 


A BÚSSOLA DO MEDO


Mais uma vez, sinto-me fracassado. Praticamente, todos os dias passo por isso ao tentar escrever. Fico olhando ao redor querendo catar uma poeira de assunto ou uma nesga para me dar o título de escritor. Como é difícil essa luta. Assisto a um filme preto e branco sentindo inveja do diretor que usa o cotidiano para transformá-lo em obra de arte. É como se eu estivesse às margens de um rio vendo os assuntos passarem sem que eu saiba nadar. Passam como passa o tempo estipulado para a entrega do texto. O editor-chefe espera que seus leitores não se cansem de esperar, e os leitores, por sua vez, pensam nas novidades que vêm por aí. É um ciclo reiniciado a cada amanhecer numa conjuntura onde todos dependem de todos. 

Os estímulos geralmente acontecem de dentro para fora, porém algumas vezes, ao contrário. Só em dizer que se é escritor, já supre todas as dificuldades no exercício chorado da profissão. Há um esmiuçado de linhas, palavras e até letras sendo experimentadas na sonorização dentro de um todo organizado para não interferir no pensamento confortável do leitor. 

Há também os textos jogados fora, mesmo sendo bem-escritos. Como exemplo, posso citar um sobre a tortura feita num dedo mindinho do pé, ou outro dissertando sobre a serventia dos buracos dentro de uma sociedade ainda conservadora, e por aí vai, de forma que o produto final é zero vírgula alguma coisa do trabalho desprendido. 

Mas o que faz uma pessoa se dedicar a uma tarefa tão árdua sem ter um retorno imediato? Alguns dizem que é o ego no comando e que a vontade de ser reconhecido por seus pares justificam esse sofrimento. Deve ser torturante para quem precisa passar por tudo isso do mesmo jeito que é ler um texto incompreensível, aquele que o escritor faz por pirraça sem se importar com o entendimento dos outros. Podem se lixar, dizem alguns já bem firmados no mercado. 

Eu sou suspeito em definir essa força propulsora, pois minha pouca inteligência não me dá suporte técnico para tal, só sei dizer que sofro e isso já é mais do que suficiente para fazer parte do time sofrência literária. 

Às vezes também fico pensando qual o motivo que faz muita gente boa deixar de escrever. Pode ser a ansiedade em terminar o que começou; a expectativa sobre o que os outros irão pensar; se vão dizer que é um texto autobiográfico ou não. São muitos os grilos cantando na cabeça de quem se dispõe a se expor através da escrita porque quer queira ou não cada texto traz um pouco da pessoa que escreve. Não tem como negar isso, o que não se pode é ter medo dessa avaliação. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 21.12.2023 - 15h36min.



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