Ponto de reticências
As reticências indicam
interrupções, hesitações ou uma lacuna a ser preenchida (Googlei). Nelas estão
contidas o real e o vazio imaginário, necessários à supressão dos embaraços,
indecisões, perplexidades e afins. Uma espécie de embalagem a vácuo.
As reticências – assim como as
sinfonias – trazem em si o belo do sentir, o regozijo da palavra não dita, a
satisfação da plenitude, a sobrevivência da palavra morta na garganta! No desafio
das nuances da interpretação, seriam elas, uma carícia para as almas não
afogadas, os amores desfeitos, o abraço sem o calor desejado, o recuo, o temor,
a incapacidade humana de expressar-se em sua plenitude?
Fora dos parênteses, as palavras
nos revelariam, por exemplo: estarem saturadas de atalhos, nós não desatados, laços
desfeitos, escrita tímida, insegura, conceitos em construção, pensamentos mesquinhos,
mordaças que aprisionam o verbo?
“Qual a palavra que nunca foi
dita, diga”. Na composição Paula e Bebeto (Milton/Caetano) as palavras são
proclamadas e suas múltiplas funções professadas. No apagar das luzes, seriam
as palavras não ditas uma luz no fim do túnel? “Hoje contei pras paredes, coisas do meu
coração”, contar para as paredes seria uma forma de disfarçar o uso das reticências?
Observando-se a literatura
brasileira e os ditos populares, percebe-se o quanto as paredes fazem parte das
reticências humanas. Entre quatro paredes as palavras faladas não são totalmente
ao vento, ecoam com muita intensidade em quem as proclama.
De acordo com o adágio: ”Quem está na chuva é pra se molhar”. Contudo,
já para reticências, as palavras que nos habitam não necessariamente precisam
ser ditas, elas, as reticências, atuam como um guarda-chuva, protegendo o
sujeito do predicado.
Da tua história, tal qual Djavan, também não
sei. “E a tua história, eu não sei mais me diga só o que for bom”. Para quem
ficará a escuta das reticências, dos parênteses, continuarão a divagar, a
habitar o mundo do imaginário? Seria o momento e a sutileza do psicanalista, seria
ele, o desbravador dos enigmas assombrosos, da fluidez do pensamento, leveza do
dito, da gargalhada debochada, o riso frouxo, do cumprimento descomprometido
com a profundidade do sentir?
Há quem diga que as reticências
nos asseguram as interrupções necessárias para seguirmos adiante, os obstáculos
transpostos, os momentos indesejados.
Seriam as reticências o côncavo do
amor? O amor é a resposta, a explicação, a plenitude, a revelação. Já nas
reticencias: estão imbricadas a ocultação, a desfaçatez, a confusão, o represamento,
a sutileza, a cumplicidade, etc.
Salve, salve as reticências, elas
nos salvarão. Só nelas cabem o significado e a grandeza da Arte. Como descrever
a interpretação magistral de Maria Bethânia da música Todo o sentimento (Chico Buarque) na posse do ministro Barroso? Só nos resta lançar mão do nosso
“eu Chicó”, “não sei, só sei que foi assim!”.
É impressionante o poder que esses três pontinhos têm.
ResponderExcluirTexto bastante reflexivo. Nos leva à várias vertentes.
Parabéns, professora Goretti!
Como sempre, nos presenteia
com textos belíssimos.
Muito obrigada, um abraço!
ExcluirMais um belo e reflexivo texto escrito pela Professora Goretti. Impossível não lembrar das reticências presentes no nosso cotidiano.
ResponderExcluirParabéns.
Francisca Joseni dos Santos
Joseni.
Um beijo carinhoso, minha amiga!
ExcluirNão é possível enunciar se tudo é um grande começou ou um final magistral, ficam as reticências, sempre. Um entre termos, início-término. Parabéns pelo texto, reflexão, sensibilidade, minha amiga!
ResponderExcluirAbraços.
André
Oh André, meu historiador favorito! Beijo 💋
ExcluirOlá, Goretti. Mais q abrigar sob uma aparente opacidade, as reticências são reveladoras, sofisticadas e sutis, de subjetividades, de emoções e conceitos estrategicamente contidos, como num jogo no qual quem tem a voz sugere ao outro ter pleno domínio da situação, sabendo muito bem capturá-lo nesse movimento de revelar/esconder intenções e sentimentos.Texto inteligentemente bem construído. Parabéns!
ResponderExcluirResposta inteligentemente complementar, obrigada Francisco! Um abraço 🫂
ResponderExcluirReticências escondem e revelam. Já imaginou se alguém entrasse pra comentar e pusesse apenas o ponto de reticências? A autora ficaria com um ponto de interrogação. Já eu coloco uma exclamação: ficou excelente o texto! - Gilberto Cardoso dos Santos
ResponderExcluirMuito obrigada, meu querido amigo Gilberto! 🫂
ExcluirHá o que seria de nós sem as reticências. Muitas vezes precisamos frear a nossa mente, ou deixar fluir, devanear. Texto excelente, rico.
ResponderExcluirMuito obrigada 💋
ResponderExcluirTenho predileção pelas reticências. Elas são livres dos fins. São continuações, "atitudes responsivas". Estão abertas às continuações! Parabéns pelo texto, pelo "tempo da delicadeza" da escrita! Ave, palavra!
ResponderExcluirUm abraço!
ResponderExcluirLuzia
Muito obrigada minha querida amiga, você tem predileção por tudo que é belo! Um abraço carinhoso e a minha profunda admiração. 🌹
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