sexta-feira, 9 de setembro de 2022

DE NOVO O DE VELHO - Heraldo Lins



DE NOVO O DE VELHO 

Depois de tomar alguma coisa naquele lugar, saiu a caminhar por onde estava muito mudado desde os dias incertos que foram rasgados do calendário perdido. Digladiava-se fazendo movimentos indefinidos enquanto procurava um nome para o que estava pensando. Por um lado, tudo tão diferente, por outro, tudo igual. O contraste emperrava seu progresso passando a discutir de forma calada as lembranças que teimavam em torná-lo assim, sem muita definição. 

Algumas ruas permaneciam se parecendo com caminhos largos rodeados de casas que ele não conhecia os donos. Residentes que não se falavam nem à distância. Estrangeiro em seu lugar de origem, balbuciava algo impronunciável pelos civilizados. Alguém vinha cambaleando em sua direção, mas passou do mesmo jeito que os outros. A cidade grande de onde veio lhe trouxera saudades naquele momento. Há mais de muito tempo que não aparecia por ali. Quem sabe, décadas ou horas, não se lembrava bem.  Ao contrário do certo, geralmente nada acontecia naquele seu passeio que valesse a pena. 

Ele foi abandonando suas velhas lembranças para abraçar o que nem se perfilava como sendo lembrança. A realidade estava fora de moda naquele lugar. Quem passava com alguma coisa na cabeça vinha desfilando junto com os ditadores sem público para obedecer-lhe. Plantou os pés na catedral que havia se casado. As pessoas assistindo um ritual que não tinha fim. Terminava, levantavam-se e voltavam para reiniciar tudo outra vez, como se fosse uma caixinha de música. 

Saiu dali sem precisar andar. Pensou no que conhecia e lá estava em frente ao clube de tiro. Pessoas treinavam, o dia inteiro, com armas que nunca precisavam de munição. Os mesmos atiradores em um único alvo e ninguém se feria. Não suportando aquela monotonia de explosões, correu para visitar a balada. 

Lá estava um casal se beijando, ininterruptamente, dançando sem dar trégua. Mais à frente, alguns cheiravam fileiras e outros fumavam, fumavam, a música também era uma só. Voou para as folhas do outono e as viu caírem caindo atraindo varredores varrendo. 

Abandonou o ritmo das visitas que viera fazer ao pequeno lugarejo e foi ao mar. Lá as ondas também estavam como sempre foram. Trocou de povoado onde algum dia estivera e caminhou para a terra das multidões. Presenciou-as em semáforos indo e vindo, morrendo, nascendo, mães fornecendo meninos para a manterem sendo sempre multidão. Seus desejos nem mais tinha utilidade assim como suas angústias e prazeres. Tudo era repetição. 

As próprias pernas iam caminhando por conta própria assim como os olhos olhavam, a cabeça pensava. Ele estava em cima de um elefante observando seus membros agirem por conta própria. Tropeçava, levantava-se e voltava a cair. Os netos estavam chorando em um salão enorme com os avós apaziguando-os. Os casais se preocupavam em fazer amor e sexo sem parar, devolvendo o que haviam recebido.  

A água era a mesma passando por baixo da ponte. Um rio imenso sem nunca secar. A chuva tinha seu lugar ao lado para ser sempre chuva chovendo voltando para o mesmo rio com a mesma água. O rio voltava a ser o mesmo com as mesmas pessoas se banhando nele. Pessoas e rio não mudavam. Os velhos chegavam aos montões, casais dando volta na praça, rapazes com passarinhos nas gaiolas. Para que serve um menino de seis anos jogando pedra no outro? 

Quanta monotonia nesse estágio da vida, pensou ele ao ver o mesmo menino, já adulto, jogando bombas atômicas. Parece que o interessante é a contemplação, e decidiu ser, novamente, um natimorto.  


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 08.09.2022 – 23: 40



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