sábado, 13 de agosto de 2022

VIDA CANGACEIRA - Jair Elói de Souza

 




VIDA CANGACEIRA

...Altas horas, de mesmo, mesmo! Noite tragada, embevecida pela cruviana madrugadenha. Rasantes de caborés afrontando furões sanguinários, e ainda famintos, sequiosos pra devorarem sua inocente ninhada. Os tempos eram de rondas cangaceiras, homens brutos, feras, sem lei nem rei. Caboclos de dívidas por violência e vítimas das sanhas de coronéis, de inspetores de quarteirão* a serviço do chefetos políticos da hora.

Tempos de correrias nas espinhentas caatingas, ermas, guardadoras de mistérios de almas perdidas, de histórias de seres que se escondem na mais inerte melancolia, frustração por não vencerem o estágio da fome, da ausência de pai morrido nas abas de serra, vítima da tocaia, da traição de matadores por encomenda, homens sem padrão de caráter, bestas humanas, instintos ignóbeis.

Homens de crença beata, presos a amuletos, a código de honra, preso a seus valores, a forma de agir de um mundo agreste, sem parâmetros civilizados, muito embora em raros instantes venha fluir a gratidão amarga, o de estender de mão pela penetração em alguém de longo e agudo punhal da morte instantânea.

Essa a forma de viver, entre som de concertina, ganidos de cães de pelos cortados pelas cactáceas, de zumbidos de balas mortíferas, da força volante, fazia da vida uma abadia de vontades sequiosas de rir do sangue jorrados nos acertos de uma pretérita traição, simples informes sob a morte iminente, caso ficasse calado.

J.E.S.





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