quinta-feira, 7 de julho de 2022

PISTA GENÉTICA - Heraldo Lins

 


PISTA GENÉTICA


Os dramas humanos, ah! os dramas humanos! Quantos existem por aí e nem percebemos de tão perto que estão! São os “aspeados” que permanecem desconhecidos pelos personagens. Os atores principais inocentados, mesmo assim não deixa de ser dramático para quem de longe os observa. 

Numa manhã, com o ar-condicionado desligado, cortinas fechadas, ouviu-se o clamor do drama pedindo para ser publicado. Muitos já foram apagados por amizade mantida a sete chaves, e o receio de se dizer que era a "minha história" exposta em página pública estimulou a completa extinção. Neste caso não há medo em se iniciar, apenas existe cautela em escolher as palavras adormecidas tanto quanto o drama. O simples ato de escolher as palavras passa a ser dramático e o drama em si carrega esse outro, mas vamos assim mesmo!

O casal estava separado há um mês, coisa não tão rara entre casais “pós-primeiro filho.” Do outro lado do drama um homem contava histórias engraçadas matando o tempo para ir embora. O casal separado era formado por uma mulher ambiciosa na cama, desejosa e com instintos "coletivistas." Sentiu, nas suas entranhas de fêmea no cio, o desejo de acolher a semente geradora do homem engraçado. 

Uma amiga, conhecedora dos dois e submissa aos segredos de Estado, levou a mensagem. Por uma paga qualquer o recado fora dado. A separação acobertava a perfídia na sua essência pecaminosa, e o encontro se deu. No primeiro momento o homem sugeriu que ela voltasse para o marido, de vez que ela questionou o emblema da masculinidade: "não é homem não?" ela assim o desafiou. Queria por que queria aquele homenzarrão em seu leito, e adormecido em seus braços. Seria assim e foi assim que aconteceu. Nem pensou nas consequências que seu corpo a subjulgava. Numa noite de fuga, o enlace foi além de uma aventura passageira. A sensação de liberdade a fez relembrar o tempo de solteira sem preconceitos. Já não havia esperanças de voltar ao convívio matrimonial e isso lhe tirava a preocupação da traição formal, apesar de se manter casada. Os familiares de ambos jamais suspeitariam daquele encontro pouco planejado e muito querido. 

Neste momento um barulho ensurdecedor de um motor serra interrompe a narrativa. Parece que até ao se contar uma história proibida, há momentos de vagos espaços a bem do bom-senso. De fato o barulho deixou de existir ao se falar dele, e o encontro parou dentro da mulher fértil. 

Naquele ato contínuo estava sendo lapidada uma filha não desejada, mas gerada pela força natural da juventude de ambos. Nem a amiga alcoviteira soubera mais do que o lençol branco do motel. Ali estava o que seria o drama adormecido. 

Durante tantos anos a filha chamava de pai quem a criara, quem estava no registro de nascimento como se assim fosse. O pai engraçado soubera que havia uma filha sua gerada naquele dia, e ambos mantiveram o segredo lacrado aos ouvidos do marido. A filha herdara o dom hilário do pai biológico, e a insuficiência hepática da mãe. Eis que a moça precisa urgentemente de um fígado novo para sobreviver. O marido não é compatível, e a mulher tem consciência que para salvar a filha precisa contar o segredo... E agora?


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 06.07.2022 — 15:09



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