quinta-feira, 16 de junho de 2022

DOM PHILIPS E BRUNO ARAÚJO EM PROSA E VERSO

- Por José de Castro (poeta e jornalista)




TRISTE PAÍS QUE ABANDONA SEUS FILHOS

Triste país que abandona
seus filhos à própria sorte...
Triste país que não se coloca
ao lado dos que defendem
a causa dos povos indígenas.
Triste país que não pune
o garimpo ilegal, a caça
e a pesca predatória
em terras demarcadas.
Triste país que se cala
diante de tantas atrocidades...
Triste país, que deveria ser alegre,
que deveria cantar, mas que hoje chora.
Triste de todos nós que somos
filhos da impunidade a essa violência
que campeia por todo o solo Brasil.
Triste Amazônia, testemunha
desse apagamento de Bruno Araújo
e de Dom Phillips, quando lutavam
por mais dignidade com os povos indígenas.
Triste país que precisa retomar
o caminho da justiça e da dignidade.
Triste de nós que queremos acreditar
que tudo isso é apenas um pesadelo,
e que logo vai passar...
E que a justiça venha para punir
todos os crimes e os criminosos
em todas as esferas de poder
e em todo o lugar.
A poesia não pode se calar.
E lança um novo grito:
"Justiça já!"
E entoa canções de esperançar.

(José de Castro)






A CANÇÃO CANOEIRA DO JAVARI, UM RIO QUE CHORA


“Quem cala sobre teu corpo
Consente na tua morte…”

(“Menino”, canção de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos,
feita na ocasião da morte do estudante Edson Luís,
em confronto com a polícia, no Rio de Janeiro, em 1968,
período da ditadura militar no Brasil.)

Confirma-se, finalmente, o que todo o povo brasileiro imaginava: o indigenista Bruno Araújo e o jornalista britânico Dom Phillips foram executados. E de forma cruel: baleados, esquartejados e incinerados. O motivo do crime: denúncias que vinham fazendo acerca da pesca ilegal na região, sendo que eles haviam fotografado cenas dessas irregularidades, que mostraram até um dos envolvidos no crime do duplo assassinato confesso, ontem 15/06. Após o desaparecimento do indigenista e do jornalista, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari chegou a informar que eles viviam recebendo contínuas ameaças de pescadores, garimpeiros e madereiros.

No dia 4 de abril passado, Bruno entregou um relatório às autoridades indicando o local onde os crimes de pesca ilegal eram cometidos. Devido a isso, ele recebeu bilhete de ameaça, provavelmente vindo desses pescadores que agiam ao arbítrio da lei. E nenhuma providência a respeito foi tomada pelas autoridades.

Essas duas prisões não encerram o caso, pois os dois irmãos Da Costa Oliveira, Amarildo e Oseney, já detidos, afirmam que há mais pessoas envolvidas, como a própria denúncia de Bruno comprovava às autoridades. Eles dizem que não atiraram no indigenista e nem no jornalista, e que apenas participaram do esquartejamento, da incineração e da ocultação dos corpos e do barco, que foi submergido. Querem eximir-se da responsabilidade pela morte.

O superintendente regional da Polícia Federal do Amazonas, Eduardo Fontes, na coletiva desse dia 15 à noite, informou, dentre outras coisas, que novas prisões deverão ser feitas nos próximos dias, em decorrência dos depoimentos dos dois presos. Imagino que esses implicados no crime não disseram tudo o que sabem, ou a polícia federal está ocultando detalhes para evitar que se prejudiquem as investigações em curso.

Os dois pescadores, Amarildo e Oseney, não podem ser os únicos culpados de um crime que foi praticado a partir de um certo planejamento, como transparece. Por exemplo, segundo a polícia federal, o local onde os dois corpos foram enterrados, localiza-se a cerca de 3,1 quilômetros do local onde o crime foi cometido. Os praticantes do delito devem ter agido com o suporte de outros, pensando os detalhes de como o indigenista e o jornalista seriam feitos como reféns, sob ameaça de armas, como seriam conduzidos até o local onde seriam mortos, como seriam executados e como ocultariam, não só os corpos, mas também o barco em que eles se deslocavam pela região.

Numa macrovisão, no limite, podemos arriscar a dizer que, de certa forma, os dois irmãos podem ser vistos também como vítimas de uma injunção perversa, cooptados pelo tráfico de drogas da região que domina e aterroriza indígenas e as comunidades ribeirinhas do Vale do Javari. Isso é um alerta de que os dois ribeirinhos podem ser apenas a ponta de um iceberg. Eles são protagonistas de uma realidade assustadora, bem mais ampla, com vários tentáculos, não só em solo pátrio, mas também em terras da Colômbia e do Peru – pois a região é fronteiriça – que aterrorizam aquela região, sem patrulhamento das autoridades, relegada ao comando do crime organizado, traficantes, que, há tempos, operam impune e livremente por ali. Apesar de tudo isso, ainda assim, não se pode relevar a ação criminosa da qual se submeteram participar, de extrema violência e barbárie, com requintes de crueldade.

Outra coisa. Não se trata de dizer que Bruno Araújo e Dom Phillips estavam no lugar errado e na hora indevida, como, de certa forma quis dizer o presidente ao afirmar que a atuação deles era uma “aventura”, como se fosse um ato leviano e irresponsável. Esse é um discurso já conhecido feito por aqueles que preferem culpar a vítima, em vez de buscar os verdadeiros culpados. As coisas não são bem assim.

Bruno Araújo era um servidor de carreira da FUNAI, considerado um dos mais experientes no quesito de contato com indígenas isolados. Falava quatro línguas dos povos daquela área. Exerceu por cinco anos a Coordenação Regional do Vale do Javari e depois a Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato, daquele órgão, até ser exonerado, depois de ter participado de uma ação em terras Yanomamis que resultou expulsão de centenas de garimpeiros que atuavam por lá. Para o lugar de Bruno foi nomeado um missionário evangélico, que ficou pouco tempo no cargo.

Isso confirma que, mais de uma vez, esse governo vem se notabilizando pela capacidade de exonerar pessoas competentes e substituí-las por outras nem tanto assim. Os exemplos são inúmeros em vários postos de destaque, incluindo ministérios, como o da Saúde. Mas isso já havia sido anunciado pelo presidente pouco tempo depois de sua posse, quando afirmou, em março de 2019, num jantar com representantes da extrema-direita, nos Estados Unidos: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós iremos construir coisas para o nosso povo. Nós temos que desconstruir muita coisa.” Essa promessa, pelo menos, ele está conseguindo realizar durante o seu malfadado governo.

Nesta quarta-feira, dia 15, o presidente, em mais de um dos seus pronunciamentos desastrados, disse que Dom Phillips era “malvisto na região” porque escrevia “muita matéria contra garimpeiro”. Mais uma vez a vítima é culpada por sua própria morte. Inclusive, numa coletiva de imprensa, Dom Phillips, ao fazer um questionamento ao presidente sobre a atuação do Brasil quanto à conservação do meio ambiente na Amazônia, recebeu uma resposta nada diplomática: “Primeiro, você tem que entender que a Amazônia é do Brasil, não é de vocês.” Realmente, há que se reconhecer que Dom Phillips era malvisto, mas não pelos povos indígenas e nem pelas populações ribeirinhas do Vale do Javari.

Dom Phillips foi um reconhecido jornalista, com atuação não só no The Guardian, mas também colaborador do New York Times, de indiscutível qualidade profissional. Ao lado de Bruno Araújo, ele trabalhava o seu projeto de publicar um livro sobre aquela extensa região amazônica. É claro que o levantamento minucioso que vinha sendo feito denunciaria inúmeros crimes praticados contra o meio ambiente na região, incluindo a pesca ilegal, garimpagem em reservas indígenas, extração e comércio ilegal de madeira, narcotráfico e estruturas de lavagem de dinheiro.

Então, o livro seria um documento de denúncia sobre aquela área hostil, relegada ao abandono pelo aparelho de estado brasileiro, grande parte dela sob o controle do tráfico que fazia dali sua “terra de ninguém”. Na verdade, terra de bandidos que não têm apreço pela vida humana ou pela natureza e seguem apenas os instintos que fazem do dinheiro a sua bandeira. Ali os sacrificados são todos aqueles que atravessem em seu caminho, e que venham a atrapalhar a sua ganância e colocar em cheque o seu poder e ameaçar seus lucros. Assim, Bruno Araújo e Dom Phillips entraram na mira daqueles que se sentiram ameaçados em seu domínio e poder sobre aquela enorme região, de mais de 85 mil km² de extensão.

O Brasil inteiro chora essa perda de dois dos seus filhos diletos. Foram ao sacrifício por uma causa urgente e necessária, que envolve muito amor ao trabalho que faziam, inteiramente dedicados a um ideal elevado na busca de justiça e dignidade para aquele rincão abandonado pelas autoridades do governo. Eles representam uma significativa parte do Brasil que vem sendo sistematicamente “desconstruída”, como meta perversa de quem está no poder.

Queremos justiça. Que todos esses crimes não fiquem impunes. Por isso, erguemos nossa voz e cantamos com Dom Phillips a canção, em língua Kanamari, que Bruno Araújo entoava enquanto sua canoa de ideais singrava pelo rio Javari afora. Esta canção, segundo Aldair Kanamary, presidente do Conselho Distrital de Saúde dos Kanamari, que chamava Bruno Araújo de irmão, conta a história de uma mãe arara a chamar seus filhotes na porta do ninho para lhes dar comida no bico. Era uma das canções que Bruno Araújo mais gostava. Não há como não se emocionar ao assistir ao vídeo em que o indigenista demonstra o quanto o amava os seus irmãos e os louvava e em sua própria língua.

Então, cantemos com Dom Phillips, com Bruno Araújo e seus familiares e amigos essa canção e outras que clamem por justiça, respeito e dignidade para todos os Povos Indígenas do Vale do Javari, para os Yanomamis, para os mais de 180 povos, que totalizam por volta de 440 mil indígenas, além de vários grupos isolados que habitam toda aquela região amazônica, e mais quilombolas, ribeirinhos, pescadores e pescadoras artesanais, agricultores familiares, piaçabeiros, peconheiros e outros.

Que a essa canção se some o clamor de todos nós brasileiros, aqueles que não se calam diante de mortes como essa, perante tanta injustiça e ignomínia.

José de Castro  



Jornalista, escritor e poeta. Mestre em Tecnologia da Educação. Membro da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do RN – SPVA/RN e faz parte do conselho consultivo da União Brasileira de Escritores – UBE/RN. É também membro correspondente da Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil – ALACIB, de Mariana/MG.

LIVROS DE SUA AUTORIA



Os seus 15 livros para crianças (e para adolescentes, dois deles) são: 

01. A marreca de Rebeca (livro de estreia, São Paulo: Paulus, 2002, hoje, na Bagaço/Recife); 
02. O mundo em minhas mãos (Recife: Bagaço, 2005);
03. A cozinha da Maria Farinha (São Paulo: Paulinas, 2007);
04. Poemares (Belo Horizonte: Dimensão, 2007);
05. Poetrix – para adolescentes (Belo Horizonte: Dimensão, 2012);
06. Dicionário Engraçado – prosa para adolescentes (São Paulo: Paulinas, 2012);
07. Poemas Brincantes (Natal: CJA, 2015);
08. Meu amigo paladar – um guia da alimentação saudável (Natal: Comunique, 2016, em parceria com o poeta Antônio Francisco);
09. Vaca amarela pulou a janela (Belo Horizonte: Dimensão, 2017);
10. Um livro, um castelo (Recife: Bagaço, 2018);
11. O Palhaço e a Bailarina – prosa infantil (Natal: CJA, 2018, em parceria com Clécia Santos);
12. Brincadeiras Poemantes (Natal: CJA, 2019);
13. Um pato no prato (Natal: Timbú, 2021);
14. Quem cochicha, o rabo espicha (Natal: Timbú, 2021);
15. Hoje é dia de brincar (Natal: CJA, 2021).

Os seus três livros para adultos são: 

01. Quem brinca em serviço – textos de humor (Natal: Sebo Vermelho, 2003);
02. (Apenas palavras – poemas, Natal: CJA, 2015, já em terceira reimpressão);
03. Quando chover estrelas – poemas, Natal: Jovens Escribas, 2015).







4 comentários:

  1. Amigo Gilberto Cardoso... É uma grande alegria e honra figurar com poema e artigo em sua conceituada página literária. Obrigado, também, por divulgar a capa dos meus livros. Nessa foto, faltou apenas o livro QUEM COCHICHA, O RABO ESPICHA (ainda vou buscar exemplares na Timbú, para repor os que vendi).
    Interessante notar que na foto tem, também, as duas capas das duas edições de A MARRECA DE REBECA e as duas capas das duas edições de O MUNDO EM MINHAS MÃOS... Grato pela divulgação e pelo carinho. Um abraço.

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  2. Meu caro José de Castro, percebe-se quanto amor você pôs nesses dois textos expressando a nossa dor. -Gilberto Cardoso dos Santos

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  3. Muito bom ter amigos com blog. O nosso trabalho literário, de poesia e prosa, ganha mais visibilidade. Já estive algumas vezes no município de Santa Cruz, ministrando palestras pelo PROLER/RN. Além de você, tenho outros amigos diletos dessa cidade, como o poeta Marcos Cavalcanti e o casal de amigos sebistas Eidson Miguel e Martha Maueny... Grande abraço, poeta... Viva a sua, a nossa literatura!!!

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  4. Castro é um dos pilares da Literatura Infantil Potiguar, com repercussão para muito além de nossas fronteiras. Um homem dedicado às letras, à cultura e a educação. É uma honra ser citado como um de seus amigos. Tenho-lhe estima e admiração!!!

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