quarta-feira, 13 de abril de 2022

ASSUNTO PREDILETO - Heraldo Lins

 


ASSUNTO PREDILETO


Recebi hoje a visita de um primo. Na conversa sobre familiares soube que sua mãe já havia tentado o suicídio por duas vezes. Hoje ela vive sozinha, o marido já tinha largado a família bem antes de morrer do coração, recentemente. Ela nem veio para o enterro. Acredito que a metade da população, se houvesse chances, decidiria em interromper a vida. Se a morte fosse suave e incentivada pelos governos, a população da terra se reduziria a menos da metade. 

Muitos querem morrer mesmo, e fingem que adoram viver. O filho falava nisso com muita frieza. Disse que a mãe era vaidosa, e agora se vê andando com auxílio de um andador, e, para ela, é uma desonra. Lembro-me de ela jovem, bonita, maquiada, ativa e sorridente. Tudo que uma mulher bonita provocava entre seus pares masculinos, ela era essa pessoa. 

Hoje, um farrapo humano, fico a imaginar enquanto ele falava que ela fora flagrada mastigando comprimidos para ver se morria. Durante a viagem de volta para meu lar, fiquei triste por me ver diante dessa situação com alguém próximo pensando nisso. Quando se ouve falar de alguém distante, pensamos que, por não ser conosco, não nos interessa o assunto. Quando nos deparamos com parentes nessa situação precisamos rever o que acontece para que uma pessoa vá por esse caminho. 

Eu particularmente todos os dias penso no suicídio. Quando o pensamento não me vem eu o chamo. Quero ficar perto dele constantemente para quando a morte chegar não me pegar desprevenido. Em tudo eu vejo uma forma de suicídio em andamento. 

Escuto alguém cantando ao longe, já é motivo para imaginar que no barzinho, com aquele desesperado no palco, o cantor está se suicidando cantando ruim uma canção pior ainda. O ruim não é se suicidar, mas levar muitos juntos. Quando um governante governa mal, leva seus concidadãos com ele ao suicídio político. Nas mãos de maus administradores estamos sempre sendo vítima dos “suicidantes” profissionais.  

Mas deixemos o cantor e os políticos para lá, e vamos retomar ao meu primo. Trouxe duas galinhas de presente para minha mãe. Acredito que as galinhas não pensaram em suicídio, mesmo assim, lá estavam congeladas esperando serem comidas. Que nojento é uma pessoa comer outra que foi suicidada. Galinha para mim é pessoa. Tem fígado, coração e canta mal.

Muitos autores já falaram do suicídio, e parece que é um assunto que interessa a todos. Enquanto estava, agorinha mesmo, atendendo a uma colega que estava se aposentando, surgiu o assunto de morte. Eu pensei: lá vem o assunto predileto da humanidade. É um assunto antigo e atual ao mesmo tempo. Ninguém fala de um herói sem querer saber quando ele morreu. Parece que achamos bom que alguém morra nas nossas conversas. Nós vivos falando dos mortos traz certo interesse nos interlocutores. 

A amiga disse que durante os últimos dois meses a mãe morreu e uma irmã, com síndrome de Down, também. O pai está com depressão. Não quer comer, fica triste, sem conversar, todavia, acredita que ele não irá se suicidar. Está magro, isso sim, mas tirar a própria vida, acho que não, completou ela sem muita convicção.  

As pessoas não querem ser minhas amigas, tendo em vista que quando eu sou amigo de alguém, e essa pessoa falece, minha vontade é meter o pau, dar uma surra com inveja por que ela foi embora e me deixou sozinho aqui para sofrer. É tanto que minha sogra disse ao meu sogro que era melhor eu não gostar dele porque se ele vier a falecer será pedaço de defunto pra tudo quanto é lado. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 11.04.2022 – 16:20



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