quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

PRISÃO EM CORPOS - Heraldo Lins



 PRISÃO EM CORPOS



O que leva a pessoa a fazer o que faz? O estômago fica quieto para evitar que alguém diga que é por causa dele que há guerras.

Mas é isso mesmo! Todas as ordens vêm do estômago porque ele exige ações para garantir seu conforto, e ai daquele que não obedecer. Os ideais esbarram sempre num prato de comida. Por esse prato, muitos já mataram e continua a festança como se os objetivos fossem outros. Além de mandar, o estômago exerce seu poder de forma discreta, porém ditatorial. Há nome e endereço de quem os carrega, mas ele nunca toma para si responsabilidades. Fica mandando porque tem o convencimento pela dor.  Para ele, está tudo bem desde que sua necessidade de comida seja suprida. 

Na prisão ou na liberdade, o estômago fica exigindo escravidão. Um hospedeiro e uma hospedeira  se juntam para produzirem mais "estomagozinhos", e nem se dão conta que estão sentindo orgasmos para que esse ser extraterrestre possa se disseminar. 

Minha descoberta sobre essa vida dentro da própria vida está tão clara que quando vejo um bebê chorando, penso logo que ali está mais um escravo sendo obrigado a chupar nos peitos da hospedeira mãe, para que o bem-estar, não dele, mas do hospedado, continue.

A humanidade sempre foi enganada quanto a isso, é tanto que desenvolveu a tecnologia para ir buscar vidas no espaço, sem se dar conta que os seres realmente inteligentes estão muito bem-acomodados abaixo da garganta. 

Antes, éramos pó em forma de ovo, e o estômago percebeu que daquele jeito não iria conseguir acabar com a terra. Resolveu desenvolver pernas, braços, cérebro... visando, unicamente, uma forma prática de conseguir, mais rápido, a destruição total. Seu objetivo final é voltar para o seu planeta, com a capacidade de digerir  pedra e areia, mas, antes disso, tem que consumir  toda a vida que existe por aqui. Esse é o patamar de desenvolvimento que quer alcançar. Imagino, no final dos tempos, esse ser saindo dos hospedeiros para se lançar no espaço em busca do seu habitat original.

Ele é "puto" comigo porque descobri seu esconderijo, e “prego” o jejum só para sacaneá-lo. Muitas vezes, fico dialogando com ele quando estou diante de um prato de camarão acompanhado de purê de abóbora com sobremesa de tâmara. Ele manda mensagens salivares para o portal da boca avisando que está pronto para receber o que os olhos já escolheram, o nariz aprovou, e o paladar, também, subornado por ele, está de acordo. É uma luta grandiosa que travo em adiar a tão esperada ingestão. 

Esse E.T. é tão sabido que me envia uma sensação de felicidade quando esvazio o prato. Ele, durante milênios de aperfeiçoamento, já descobriu estratégias de nos tornar, totalmente, submissos e nos manter achando graça. Preparou e espalhou pelo mundo milhares de receitas para ficarmos desejosos de provar cada uma. Colocou na cabeça dos hospedeiros que precisamos comer docinhos a cada passagem da data que nascemos, e vamos todos, inocentemente, cantar “parabéns pra você”.

Além do objetivo de tudo que foi falado acima, ele também sonha num mundo em que seus invólucros se dilatem. Isso será uma forma de apressar o processo e fazê-lo maior. Ele já analisou todos os resultados, e chegou à conclusão que quanto mais dilatado for, mas poder tem junto aos seus hospedeiros, sendo, assim, mais fácil de nos manter subjugados.  

Mesmo com essa consciência de que estou escravo, só há um momento que relaxo: é quando vejo um minúsculo estômago sendo levado por belas pernas e quadris “rebolantes”, aí esqueço minha gargalheira. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 09.02.2022  − 09:43


Ouça a crônica no canal Heraldo Lins:






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