sábado, 19 de fevereiro de 2022

A VERDADEIRA INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA - Heraldo Lins

 


A VERDADEIRA INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA



Estou escrevendo de dentro do banheiro. À frente há dois rolos de papel higiênico e uma lixeirinha. Eu gosto muito deste lugar porque é aqui que me sinto livre das crianças e da mulher. 

A sala eu antipatizo. Lá é muito democrático. Todo mundo passa, inclusive, minha sogra. Se eu inventar de colocar as mãos no computador sempre tem alguém a perguntar o que eu estou escrevendo. Gostaria muito de ir embora, mas não tenho para onde, a não ser para a folha em branco e o banheiro onde estou agora. 

O que me chateia é que este ambiente não contribui em nada para que eu tenha ideias além de animalescas. Ontem ingeri bolachas assadas na manteiga de garrafa, e o resultado me obrigou a estar aqui há mais de meia hora. Para não ficar olhando essa paisagem desoladora, resolvi, entre um estrondo e outro, escrever. Espero que as pessoas que estão lendo não se sintam desrespeitadas. Mas acho que não, principalmente uma amiga que relatou que só lê o que escrevo quando está “bem sentada”. 

Dá um desânimo estar falando daqui. Fico até preocupado em saber o que irão dizer dessa minha atitude. Alguém que achava que o escritor não precisava de uma privada, ficou decepcionado. Sim, porque sempre se concentra no que sai do lado oposto, e agora como estou conectado nos dois polos, não há como ignorar esta realidade. Um influencia o outro, e, para ser sincero, acho que o intestino é o grande comandante. 

A neurociência estuda a briga entre o consciente e o inconsciente, e eu acrescento que é fichinha comparado com a grande briga do sistema digestório com o resto do corpo. Não tem consciente ou subconsciente que ganhe da vontade do intestino. Quando ele quer roncar, nada impede, mesmo que as boas maneiras, a ética, a educação, estejam impregnados na memória antiga, a dor fala mais alto. 

Fiquei até pensando que é daí que vem o medo. Mesmo sem sentir dores, o cérebro sabe que a qualquer momento pode vir uma avalanche, tipo o capitólio, e por isso, fica nos mantendo preso ao medo. 

Bom, acho que já posso sair daqui e dizer que fui transformado. Depois de me igualar ao mais vil dos seres, sinto-me feliz e mais humilde, afinal de contas, não tem para onde correr, a não ser, para o vaso.     


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 12.01.2022 ─ 19:18



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