sábado, 8 de janeiro de 2022

LUGAR COMUM DOS PENSADORES - Heraldo Lins

 




LUGAR COMUM DOS PENSADORES



Mais um dia esquisito impedindo-me de compreender a morte. Mesmo não a compreendendo, não tenho medo de morrer, apenas, medo do vetor que vai causá-la, ou seja, medo de tudo. Um copo d’água, um vento à tardinha, já serviram como desculpas para a morte adentrar no íntimo de muitos. O fim vai ser inesperado, e os meus credores terão a sensação de terem sido enganados. Serei perdoado por motivo de força maior. Morreu com dívidas, vão dizer, então, viverei os prazeres mundanos até a fronteira que o dinheiro puder comprar. 

Tenho afinidade com a vida, aliás, depois de muito tempo foi que percebi que estava vivo. Meu primeiro ano passei em brancas nuvens. Não queria esquecer a imagem da placenta, e o mundo aqui fora era-me estranho. É horrível ser sacudido por alguém que nos diz: acorde, você está vivo. Descobrir a verdade de ter que trabalhar aos dezoito anos foi terrível, sem contar que o prazo foi antecipado. 

 Para sofrer menos, podia contar com os apagões das dez da noite às sete da manhã, e a partir do despertar, vinha-me a responsabilidade de carregar as dores do mundo, diga-se de passagem, ver pais e mães sendo empurrados pelos filhos querendo tomar o lugar no espaço da vida. É como se nascêssemos no fundo do poço, e, com o passar dos anos, subimos até boiar, restando, à morte, recolher os que chegam ao espelho d’água. 

Eu vivo querendo ficar na parte intermediária, mas não tenho mais força. Algo me puxa a cada dia para a superfície, e vou dando adeus à profundidade sem me maldizer por isto.  Há pessoas que passam por mim, outras, eu as ultrapasso, e vou planejando como me manter sempre na retaguarda. A medição é feita de forma crescente, com cada milímetro correspondendo a vinte e quatro horas. Ninguém, nesse caldeirão, sabe se o ritmo será o mesmo em todos os momentos, dificultando, assim, a projeção para se chegar ao meio do infinito. 

 As verdades mudam constantemente, e é preciso subir um pouco mais para alcançar as bolhas das exatas explicações. Algumas flutuam acima, no ar, e só se consegue alcançá-las se tomarmos o sentido contrário. Afunda-se em direção ao abismo dos segredos, e ao surgirem dificuldades, muitos desistem de rever os ensinamentos escondidos na fecundação, preferindo seguir em busca da falsa claridade da superfície. Ao chegar lá, olham para trás e dizem: perdi meu tempo.

 

Heraldo Lins Marinho Dantas

Santa Cruz/RN, 07.01.2022  ─ 0









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