BOM CAMARADA
Sua profissão era repentista, o que lhe rendeu fama além-fronteiras. Presença marcante na festa do boi, percorríamos o circuito agropecuário até chegarmos em outubro com nossos shows se revezando. Além dessas feiras, as escolas digitais do governo eram inauguradas, inicialmente, com nossos espetáculos, ele no repente, eu com o show de mamulengos.
Em uma dessas andanças fomos e viemos juntos da festa do bode. De Mossoró para Natal, trouxemos, de carona, uma recepcionista da secretaria da agricultura. Ela vinha contando todos os pormenores sobre o novo amor conseguido na festa. Não parava de falar. Manoel ainda tentou beijá-la, mas ela nem levou em consideração dizendo: escuta Manoel. Escuta homem! Queria somente atenção para falar da sua nova paixão. Manoel, já muito cansado e sem ânimo para escutá-la, dizia: ai minha Nossa Senhorinha, me acuda! Eu no volante, comentava: preste atenção Manoel. A moça vai se casar, e você será contratado para cantar no casamento.
Dia doze de outubro, estava quase na hora da minha apresentação no palco central da festa do boi, e eu precisava de uma pessoa para me ajudar com a estrutura do teatrinho. Por Manoel ser muito popular, pedi que conseguisse um ajudante, o que de pronto fui atendido. O cidadão colocou o material nas costas e saiu tombando por cima de tudo que tinha pela frente. Fui reclamar, e Manoel saiu com essa: nunca mais eu chamo aquele desgraçado para tomar cachaça.
De outra feita, na inauguração da Escola Digital, fiz o meu trabalho e ele começou o dele. Quase ninguém no evento em Santana do Seridó. O povo preferiu assistir novela para ver a inauguração de algo fora da realidade deles, mesmo assim, necessário demais oferecer cursos para os de baixa renda. A inauguração acontecia do lado de fora, com todos de pé.
Pouca gente, e ainda por cima, espalhados. Nesse clima de escassez de plateia, Manoel escolheu as crianças para improvisar descrevendo-as com orelhas grandes, boca enorme, cabelo de bucha, barriga d’água... Um pouco em um, um pouco em outro e assim ia. As crianças pulavam e gritavam: EU! EU! COMIGO, DIZ COMIGO! Corriam para a frente de Manoel para serem inseridos no improviso. Era uma avalanche de pedidos, todos sendo atendidos quase de forma atropelada. Ele não desanimava e continuava cantando com a gurizada puxando sua camisa.
Eu assistia e me divertia tanto quanto as crianças. Muitas delas, não se sentindo contempladas, começaram a dar dedadas nele. Com o ambiente um pouco escuro, só notei a invasão do território “Manoelense” quando ouvi, no próprio repente, o fiofó dele sendo tema do improviso, e a outra mão, tapando a parte de trás. Ele desligou o microfone e foi se escorar na parede. Proteção nunca é demais!
No dia três de janeiro de 2015, Manoel do Coco, um dos maiores repentistas do Brasil foi levado pelo câncer, deixando órfão o Rio Grande do Norte, e, com saudades, este amigo que conviveu de perto com esse grande artista.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Santa Cruz/RN, 23.01.2022 ─ 12:35
Excelente, necessária e merecida homenagem, Heraldo. Os bons camaradas devem ser lembrados e nos servir de modelo. Tive a oportunidade de vê-los no palco aberto, por ocasião da inauguração da Estação Digital, no bairro Paraíso em Santa Cruz. Gostei muito de tudo que vi. - Gilberto Cardoso
ResponderExcluirBacana... obrigado pela força
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