terça-feira, 21 de dezembro de 2021

ENSINAMENTOS PROFUNDOS - Heraldo Lins

 


ENSINAMENTOS PROFUNDOS


A receita de bolo estava nas mãos de um dos alunos. Depois de algumas sujeiras na pia, ele passou pela cerimônia de bater ovos com garfo. Claro que hoje em dia já existem batedeiras modernas, mas permanece o aspecto simbólico da ação. 

Antes do cozimento, o aluno estava ansioso e preocupado porque haveria o perigo de “botar a perder”. Uma das ações mais difíceis é exatamente enfiar a faca para ver se está no ponto, e essa espera é amenizada com a leitura de um poema que termina mandando o leitor de volta para o começo. O difícil é perceber a hora de parar de ler e prestar atenção no serviço. 

No curso para chef há um juramento de ouro que é o de nunca cair na tentação de lamber as beiradas. Existe um “eu” tentador que conduz os iniciantes para perto da caçarola que relembra o tempo que se fazia isso quando criança, e esse “euzinho”, muitas vezes, emerge, naturalmente, tomando conta da consciência do candidato. 

− Lembre-se de que este dia chegará para o lambedor reprimido que existe dentro de você, ─ disse o orientador do curso, e continuou ─ Isso é apenas um erro dentro de uma gama de acertos, mas a comissão julgadora se apega como se fosse um pecado mortal. 

─ Você é importante ─ prosseguiu ─ desde que siga a receita, mas nada impede de improvisar dentro do padrão da gula. Respire usando o diafragma, cheire com toda a força do pulmão para que a manifestação do prato sagrado venha até seu inconsciente e faça você encontrar o ponto da rabada.

Há os que optam em pegar carona, como é o caso de Judas na famosa ceia. Ele não contribuiu, e lá estava bebendo e comendo de graça e, ainda por cima, completamente embriagado, fazendo piada de enforcado. 

Outra coisa importante é atentar para a origem dos alimentos. A simples pergunta, quem nasceu primeiro foi o ovo ou a galinha,  faz a cozinheira rodar a saia e mandar os filósofos saírem de perto que ela precisa fazer o omelete.

Se você tem amor pela natureza olhe para o ovo e perceba o quanto ele sofre esperando para ser comido. Às vezes, as pessoas cultivam uma ideia romântica a respeito do que é ser ovo, mas só ele sabe os apertos que passou para chegar a ser o que é. 

Ser ovo significa, em primeiro lugar, servir. Imagine-se adentrando uma floresta fechada de tripas alagadiças e clima equatorial. Essa é a realidade do ovo, mesmo com dificuldades, ele abre caminho por onda passa. 

Há um exercício muito bom para quem está na cozinha, é, após ter usado os ovos, começar a quebrar as cascas deixando-as bem picotadas. Essa espécie de treinamento serve para elevar os pensamentos, e, para que o caminho da meditação seja facilitado pode começar agora mesmo, postando-se de cócoras, respirando conscientemente, repetindo comigo: cóoooooo....   rocóooooo .... cóooooo… Vamos lá?


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 08.12.2021 – 11:05



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