A TURMA DO BARULHO
Acordei-me com os gritos das palavras querendo vir para a folha. Pulavam do lado de fora me roubando o sono. Fiquei indeciso. Elas resolveram me capturar e disseram que eu só voltaria a dormir se fizesse o que elas queriam. Eram quatro horas da manhã de um domingo qualquer. _ O que querem? Perguntei-lhes. Elas disseram que gostariam que fossem usadas com mais respeito, e que cada vez que eu as depositassem numa frase, as escolhessem, também, pelas suas sonoridades. _Tudo bem! Concordei.
A primeira a ser atendida foi a VIDA. Falou, falou e não disse nada. Eu já sabia dos seus significados e nem levei em consideração os sons ouvidos. Quando ela notou que eu estava desprezando-a, apresentou sua filha, a morte. Eu então fui logo fazendo o procedimento. Sua primeira sílaba representa o olhar de quem vê: VÍ... a segunda de quem se dispõe a ajudar: DÁ... Saíram satisfeitas e escapei por pouco.
A segunda palavra foi sono. _ Ah, é de você que preciso, disse-lhe. Eu quis saber por que ela não está cumprindo com seu papel nas minhas madrugas. Ela disse que seu departamento era somente existir. Se eu quisesse inseri-la mais tempo nos meus olhos, falasse com o departamento de cotas. É lá que se define a quantidade por dia para cada vivente. Ela estava ali para ser analisada foneticamente. Eu disse que sua sonorização não é a das mais interessantes. O primeiro som corresponde a algo que se presta à individualidade. Quem está dormindo está SÓ, com cara de SON. A segunda divisão representa as amarras dos pesadelos. Vem daí sua vocação para roubar o N do NÓ para ficar posando de SON. Ela não entendeu bem, mas foi empurrada pela fila que andava.
As outras palavras vibraram. Foi esta a próxima que entrou no meu consultório. VIBRARAM vinha vibrando. Parecia que havia um terremoto em andamento. Era tanta vibração em VIBRARAM que tapei os ouvidos. O encontro consonantal rasgava meus tímpanos. Essa cumpriu com seu papel e logo saiu do jeito que entrou: vibrando.
Em seguida chegou o nome FEIRA com um balaio a tiracolo. Sua sonoridade era perturbadora, disse-lhe. Ninguém pode ouvi-la sem pensar no burburinho que ela significa. Disse-lhe que precisava segurar o R para não se tornar FEIA. Mesmo não sendo muito apreciável esteticamente, o que segurava sua superioridade em comparação com a FEIA era esse R que ela não dava muita importância. Ela chorou por nunca ter percebido o quanto estava prestes a ser rebaixada na vida social que levava. Achava-se linda e agora com a iminência de se tornar feia, só terapia para lhe salvar.
Eu já estava ficando cansado de tantas outras palavras que chegavam para análise. Foi então que me veio a ideia de requisitar CAM BU RÃO. Com a sirene ligada ela espantou as demais palavras delinquentes que estavam ali somente para tumultuar. Consegui relaxar e aí foi fácil: juntei o DOR com o MIR, e me enrolei com o LEN e o ÇOL.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 08/08/2021
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