sexta-feira, 20 de agosto de 2021

A CORAJOSA - Poeta Daxinha

 


A CORAJOSA


I

Peço atenção dos senhores

Para narrar este fato

Falar de uma senhora

Que correu dentro do mato

Meia légua de carreira

Com uma foice roçadeira

A fim de matar um gato.

II

Era um gato vermelho

Da raça maracajá

Que vinha fazendo estragos

Nos terreiros do Jucá

Peru, galinha ou guiné

Que ele botasse o pé

Não conseguia escapar.

III

O tamanho desse gato

Causava admiração

A cabeça muito grande

O rabo arrastava no chão

Que visse ele tremia

Porque só se parecia

Com um filhote de leão.

IV

Aqui nesta região

Ele se tornou freguês

Ninguém pode avaliar

Os estragos que ele fez

Numa continha que fiz

Só das galinhas de Assis

Ele pegou dezesseis.

V

Todo bicho respeitava

A faxina de Daxinha

O gatão pulou por cima

E agarrou uma galinha

Pulo pra trás novamente

Com a bichinha no dente

A mais bonita que eu tinha.

VI

No terreiro de Ione

Ele deu um grande abalo

Só pegava no pescoço

Chega se ouvia o estalo

Por incrível que pareça

De uma doze cabeças

Agora só resta o galo.

VII

Foi nas galinhas de Lila

Desceu pra João Xavier

E lá em Manuel de Lila

Devorou até guiné

Chegou em dona Geralda

Deixou galinha de fralda

Nas barbas de jacaré.

VIII

Dedé fez uma tocaia

De clavinote na mão

O gatão desconfiou

Seguiu noutra direção

Falou, ao chegar do mato:

Quem vai matar este gato

São os filhos de Capitão!

IX

Foram chamar os meninos

A tocaia foi formada

Capitão veio também

Que é prático em emboscada

Nenhum avistou o gato

Voltaram tristes do mato

Porque perderam a caçada.

X

Assim, emprejuizado,

Foi à casa de Dedé

Disse: quero a espingarda

De dois canos eu tenho fé

Viu o gato logo cedo

Mas quando puxou o dedo

Só fez quebrar catolé.

XI

Ficou muito chateado

Lamentando o que se deu

E disse: esse caningado

Não come mais o que é meu

Pegou um resto que tinha

De pinto, frango e galinha

Levou pra feira e vendeu.

XII

Esse gato transformou-se

Num verdadeiro terror

Dando um grande prejuízo

Nas criações do setor

Mas o ditado não passa:

Que tem o dia da caça

E o dia do caçador.

XIII

Um dia, dona Geralda,

Escutou uma zoada

Deu de garra numa foice

E entrou na mata fechada

Viu o gato em sua frente

Rosnando e mostrando os dentes

Ficou toda arrepiada!

XIV

Ela chamou o cachorro

O gato se escapuliu

Jacaré pegou o rastro

Com pouco tempo latiu

E a velha ali na costela

Mas o gato avançou nela

Que até a foice caiu.

XV

Ela pegou um porrete

Com coragem e muita fé

O gato correu de novo

Ela gritou: Jacaré!

Com tanta disposição

Que o gato tirava a mão

E a velha botava o pé.

XVI

Quanto mais ela corria

Aumentava sua ira

Com o rosto todo arranhado

A roupa só tinha tira

Não respeitou pau-a-pique

Touceira de xique-xique

Palmatória e macambira.

XVII

O gato viu-se apertado

Parou e ficou em pé

Partia para o cachorro

E a velha com muita fé

Avançou com um porrete

E dizia: tome cacete!

E pegue o bicho, Jacaré!

XVIII

Com meia hora de luta

O gatão esmoreceu

Jacaré criou coragem

Com os gritos que a velha deu

Agarrou-se no gogó

Com uma mordida só

Caiu no chão e morreu.

XIX

Ela arrastou este gato

O sol quente como brasa

Subindo e descendo serra

Coitada, quase se arrasa!

Foi grande a sua agonia

Gastou quase meio dia

Pra poder chegar em casa.

XX

Tiraram o couro do gato

Dedé foi quem espichou

Como não tinha medida

Uma base se tirou

Seu Severino é quem diz

Era menor do que Zé Luiz

E maior do que João Arnô.

XXI

Aqui termino a história

Não pensem que foi boato

Também não fiquem zombando

Se não vão pagar o pato

Acredite quem quiser

Mas não brinquem com esta mulher

Pra não morrer como o gato!

XXII

Eita, que mulher disposta!

Isso é que é mulher valente!

Mulher que entra na mata

Luta e vence uma serpente

Eu faço até promessa

Pra nunca ver uma dessa

Com raiva na minha frente!


Autor: JOSELITO FONSECA DE MACEDO, vulgo DAXINHA.

JOSELITO FONSECA DE MACEDO, mais conhecido como poeta Daxinha, nasceu em Cuité/PB, em 14/08/1938. Filho de José Adelino de Macedo e Maria Marieta da Fonseca, nasceu na zona rural de Cuité, mais precisamente no Sítio Boa Vista do Cais, popularmente conhecido como Sítio Pelado. Aos 20 anos, viajou para os estados de Minas Gerais e Goiás, onde trabalhou como agricultor e vaqueiro. Mas foi no estado de São Paulo que se fixou, trabalhando como metalúrgico nas principais usinas siderúrgicas da região do ABC paulista. Retorna à Paraíba em 1985, retomando suas funções de agricultor. Sempre gostou de poesia, sobretudo, do gênero cordel no qual, ainda menino, já escrevia seus primeiros versos. O retorno a Cuité aproximou-o ainda mais de suas raízes, fazendo-o mergulhar com mais fervor no mundo da poesia. Sempre convidado a se apresentar em eventos culturais da cidade, seus versos focavam, principalmente, no cotidiano das pessoas simples – como ele mesmo o era. Tem como obras publicadas um CD de poesias intitulado: “Poeta Daxinha – Um Amante da Poesia”, o cordel “O batente de pau do casarão” e uma participação póstuma no livro “APOESC em Prosa e Verso”, do também poeta Gilberto Cardoso dos Santos. Casado, pai, avô e bisavô, o poeta Daxinha faleceu em 04/05/2016, em Campina Grande/PB, vítima de insuficiência cardiorrespiratória. (Jaci Azevedo, filha)

Um comentário:

  1. Kkkkkk maravilhoso!!! Fatos verídicos, viu? Eu me lembro dessa história...
    Gratidão, Gilberto!! ❤️

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