TAREFA PARA ESPECIALISTAS
A porta foi colocada no lugar. Um dia inteiro de trabalho sem contar o tempo gasto na semana passada para instalar o portal. Nunca pensei que colocar uma parede móvel entre duas fixas fosse tão complicado. Agora passo o dia inteiro olhando para ela. Eu endeuso portas. As maiores decisões são tomadas a portas fechadas. Reunião que se preze tem que ser do mesmo jeito. Dificilmente se faz menino com as portas abertas, a não ser que porta, nesse caso, esteja em sentido figurado. Uma das coisas que não tem porta é a bola, mesmo assim tem pito, primo legítimo da porta. A diferença entre pito e porta é que esta tem dobradiças. Para se construir uma casa sem portas teríamos que colocar pito, e isso mexeria nas paredes. Ao invés de tijolos, usaríamos borracha. Mas a minha é de tijolo, e por ser assim passei a ter pesadelos com o buraco aberto. Ainda bem que o buraco era do quarto. O da sala não precisou.
As portas sempre tiveram duas caras. Ninguém até hoje definiu se elas são de entrada ou de saída. Mas gosto delas assim mesmo, é tanto que durmo em cima de uma. O lastro calçado com quatro pedras é uma porta bichada que utilizo como dormitório. Sou altruísta, e divido minha cama com os cupins. Não vejo nenhum mal nisso. Devemos amar a natureza inclusive os cupins, ratos e aranhas. Baratas também, mas como só gosto de artigo de luxo, a barata já é barata por natureza, então, deixo-as irem por baixo da porta.
Os marceneiros passaram o dia inteiro aqui em casa. Nos intervalos de cinco minutos, dedicavam-se à instalação da porta. Eu fingia que lia deitado no sofá, e eles olhando o celular. Quando eu me levantei para perguntar se já estava perto de concluir o serviço, um deles, o mais falante, disse-me que estava escolhendo o tipo de parafuso para a fechadura. Eu voltei para o meu canto e fiquei imaginando o casamento dos parafusos com a fechadura. Deveria ser muito complicado fazer a escolha entre eles. Pela minha contabilidade, os parafusos estavam sendo procurados há pelo menos quarenta minutos. Seria uma poligamia reversa. Uma fechadura juntando-se a seis parafusos. Nesse caso, a fechadura totalmente seletiva procurando parafusos solteiros não tão grandes nem tão finos, modelo fenda na cabeça, de preferência de aço inox. Só faltava o falante dizer que tinha que sair para comprá-los. E foi o que disse. Saíram os dois. Voltaram com os famigerados parafusos, uma garrafa de pinga e tira-gosto de rolinha assada.
No final, o retoque no gesso parecia mais com um tobogã. A porta só fechava na “porrada” e só abria com um pontapé. Haviam esquecido a tinta, e utilizaram o solvente para temperar as rolinhas. Eu, como bom anfitrião, sorria e oferecia pamonha para combinar com a minha cara.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Natal/RN, 04/01/2021 – 13:39
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