AI DE VÓS, DOUTORES
DA LEI
José da Luz Costa
Já
foi dito que a justiça é o pão do povo, mas, infelizmente, este sempre está com
fome.
O
Brasil está com fome de justiça. Em todos os recantos do país, a indignação e o
descontentamento tomaram conta da alma do povo.
Tais
sentimentos indesejáveis advêm de espetáculos deprimentes que acontecem nas
Altas Casas das Leis deste país. Não bastasse a politicalha, segundo Rui
Barbosa, que estraga a moral de nossos homens públicos, os zeladores da lei
também estão patrocinando um espetáculo censurável aos olhos da nação.
Inclusive
aqui, no solo potiguar, árido, quente e de muita gente com fome e sede de
justiça, as Casas das Leis (legislativo e judiciário) são protagonistas de uma
peça dantesca, em que o povo não foi convidado nem para chorar no ato final.
Em
cartaz o NEPOTISMO.
Nepotismo
– parece uma palavra poética e atraente, mas seu significado revela, em nossos
dias, um conteúdo abusivo e ilegal.
Sem
pretensão didática, nepotismo derivou-se de nepōtis
(latim), que significava em sentido próprio neto (nepo), sobrinho. Daí o
desejo de políticos e magistrados em aninharem seus descendentes,
salvaguardando o destino de sua posteridade. Em sentido figurado, o povo passou
a enxergar, sob as sombras da lei, a prodigalidade cultivada entre pais,
filhos, parentes e aderentes nas cortes e palácios.
Como
sentencia Rousseau, “as leis são sempre úteis aos que possuem e prejudiciais
aos que nada têm”.
Nesse
caso, nem o sangue, nem o saber, nem o poder devem justificar o apadrinhamento
de pimpolhos e pupilos nascidos ou criados nas cercanias de Câmaras ou
Tribunais.
A
Justiça, mesmo cega, precisa se comportar como uma autêntica mãe. Mãe de todos
os filhos seus. Nunca feito madrinha de alguns politicamente privilegiados, nem
feito madrasta de muitos socialmente desprestigiados. É obvio que ora, apenas,
se faz alusão ao folclore do protótipo de madrasta.
Vivemos
numa República, ou seja, no governo da coisa pública (res-publica). A coisa pública é propriedade inalienável do povo.
Cargos, funções e poderes são patrimônios da nação. Homens e mulheres passam
por eles a serviço da pátria. É lícito, pois, usufruir decentemente de suas
prerrogativas e direitos, mas é condenável apropriar-se de expedientes oficiais
em proveito particular, apoderar-se em regime privativo de suas instâncias
orgânicas.
Se
a Justiça é cega, como diz a consciência popular, então é imperativo que os
magistrados (juizes, desembargadores, ministros) emprestem seus olhos a essa
deusa-mãe, para guiá-la em seus passos trôpegos, interpretar seus ideais
ocultos, aplicar com retidão seus ditames falíveis. Tudo isso sob o manto da
imparcialidade, transparência, universalidade.
Na
verdade, se a lei – pela opacidade – precisa de intérpretes; a moral – pela
transparência – dispensa legisladores. Por isso, o povo está tão próximo da
moral e tão longe da lei. E a justiça sempre tão íntima da lei, porém às vezes
tão distante da moral. Embora a lei não corrompa os costumes, sabe-se que os
costumes podem deturpar as leis.
Justiça
verdadeira é justiça que não tarda, que não se aplica pela metade, que não se
esconde, que não se combate. É justiça inteira, imediata, justa no fiel da
balança.
Eis,
portanto, a minha leitura-síntese de justiça: a paz para os justos, a lei para
os injustos.
E
nestes tempos de crise pública, é sempre oportuno lembrar as palavras de Jesus
dirigidas aos escribas e fariseus, que continuam fazendo eco além dos templos e
sinagogas:
Ai
de vós, doutores da lei!...
Natal, 2005.
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