quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

AI DE VÓS, DOUTORES DA LEI - José da Luz Costa

 

AI DE VÓS, DOUTORES DA LEI

 

 José da Luz Costa

 

 

Já foi dito que a justiça é o pão do povo, mas, infelizmente, este sempre está com fome.

O Brasil está com fome de justiça. Em todos os recantos do país, a indignação e o descontentamento tomaram conta da alma do povo.

Tais sentimentos indesejáveis advêm de espetáculos deprimentes que acontecem nas Altas Casas das Leis deste país. Não bastasse a politicalha, segundo Rui Barbosa, que estraga a moral de nossos homens públicos, os zeladores da lei também estão patrocinando um espetáculo censurável aos olhos da nação.

Inclusive aqui, no solo potiguar, árido, quente e de muita gente com fome e sede de justiça, as Casas das Leis (legislativo e judiciário) são protagonistas de uma peça dantesca, em que o povo não foi convidado nem para chorar no ato final.

Em cartaz o NEPOTISMO.

Nepotismo – parece uma palavra poética e atraente, mas seu significado revela, em nossos dias, um conteúdo abusivo e ilegal.

Sem pretensão didática, nepotismo derivou-se de nepōtis (latim), que significava em sentido próprio neto (nepo), sobrinho. Daí o desejo de políticos e magistrados em aninharem seus descendentes, salvaguardando o destino de sua posteridade. Em sentido figurado, o povo passou a enxergar, sob as sombras da lei, a prodigalidade cultivada entre pais, filhos, parentes e aderentes nas cortes e palácios.

Como sentencia Rousseau, “as leis são sempre úteis aos que possuem e prejudiciais aos que nada têm”.

Nesse caso, nem o sangue, nem o saber, nem o poder devem justificar o apadrinhamento de pimpolhos e pupilos nascidos ou criados nas cercanias de Câmaras ou Tribunais.

A Justiça, mesmo cega, precisa se comportar como uma autêntica mãe. Mãe de todos os filhos seus. Nunca feito madrinha de alguns politicamente privilegiados, nem feito madrasta de muitos socialmente desprestigiados. É obvio que ora, apenas, se faz alusão ao folclore do protótipo de madrasta.

Vivemos numa República, ou seja, no governo da coisa pública (res-publica). A coisa pública é propriedade inalienável do povo. Cargos, funções e poderes são patrimônios da nação. Homens e mulheres passam por eles a serviço da pátria. É lícito, pois, usufruir decentemente de suas prerrogativas e direitos, mas é condenável apropriar-se de expedientes oficiais em proveito particular, apoderar-se em regime privativo de suas instâncias orgânicas.

Se a Justiça é cega, como diz a consciência popular, então é imperativo que os magistrados (juizes, desembargadores, ministros) emprestem seus olhos a essa deusa-mãe, para guiá-la em seus passos trôpegos, interpretar seus ideais ocultos, aplicar com retidão seus ditames falíveis. Tudo isso sob o manto da imparcialidade, transparência, universalidade.

Na verdade, se a lei – pela opacidade – precisa de intérpretes; a moral – pela transparência – dispensa legisladores. Por isso, o povo está tão próximo da moral e tão longe da lei. E a justiça sempre tão íntima da lei, porém às vezes tão distante da moral. Embora a lei não corrompa os costumes, sabe-se que os costumes podem deturpar as leis.

Justiça verdadeira é justiça que não tarda, que não se aplica pela metade, que não se esconde, que não se combate. É justiça inteira, imediata, justa no fiel da balança.

Eis, portanto, a minha leitura-síntese de justiça: a paz para os justos, a lei para os injustos.

E nestes tempos de crise pública, é sempre oportuno lembrar as palavras de Jesus dirigidas aos escribas e fariseus, que continuam fazendo eco além dos templos e sinagogas:

Ai de vós, doutores da lei!...

 

 

Natal, 2005.

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