terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

TECNOLOGIA DE PONTA - Heraldo Lins

 


TECNOLOGIA DE PONTA

 

 

Papai, o meu foguete não conseguiu decolar. Ora filho, coloque o reator nuclear que ele vai embora. Já tentei por várias vezes e ele fica impedindo a passagem da água. Faça com força e cuidado que funciona, expliquei tentando me desvencilhar da tarefa de ter que ir fazer o maldito foguete voar. O meu filho de oito anos fica querendo conhecer outros planetas e nem fazer um foguete decolar ele sabe. Vive fazendo engenhocas e quando não dá certo, sobra para eu descascar o abacaxi. Estava eu lendo Platão e Santo Agostinho e tive que deixá-los esperando para resolver essa tarefa doméstica. Sei que irão dizer que sou pai coruja, e que estou fazendo um grande mal resolvendo problemas que são dele e a ele cabe resolvê-los. Mas quem é pai sabe. Sobra para nós. Fui até o local onde estava estacionado o foguete. O bicho estava com a ponta virada e isso estava impedindo sua performance. Peguei o desentupidor de foguetes, e lancei raios e mais raios em sua direção, e nada. O bicho estava duro. A fuselagem havia sido reforçada com polpa de manga, e criou-se uma bucha. Isso dava resistência impedindo de ele ser redirecionado. Tarefa que em vinte segundos faço, passei mais de uma hora tentando. Tempo muito longo para conviver com um foguete teimoso. Mas não desisti. Chamei a mãe dele, mas ela disse que em foguete dos outros não metia a mão. Argumentou que estava fazendo o almoço e não iria se sujar com geringonça nenhuma. Ela é bruta, não sei se deu para perceber. Continuei ajudando a Juninho a resolver o problema com o Junhão. Essa nova geração de cientistas, como ele, está fazendo foguetes com uma tecnologia totalmente limpa. Só que o combustível fica com um cheiro horrível se exposto em ambiente abafado. Era o que estava acontecendo. A oficina tomada daquele odor que ninguém deseja para o seu pior inimigo. Minha angústia foi se intensificando, e como eu já havia trazido para mim a incumbência de salvar a oficina, tive que continuar. Trouxe um balde de combustível sanitarizado e coloquei no tanque. Com uma vara de alumínio, encaixei a vassourinha e fiz movimentos verticais. De vez em quando jogava óleo hidrogenado, e o foguete rodava, rodava, mas não decolava. Fiquei ao longe para evitar explosão. Juninho ficou na torcida. Vai pai que ele voa! Enquanto eu dava pressão, Juninho apertava as teclas do controle remoto. Eu já suado e quase sem esperança, foi quando o foguete levantou voo. Rodopiou no galpão da oficina e subiu desaparecendo para sempre. Juninho ainda hoje tem saudade aliviada da diarreia que originou tudo isso.    

 

 

   


 

Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Natal/RN, 12/01/2021 – 14:48

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Um comentário:

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