ESQUECIMENTO
RELAXANTE
Hoje tentei falar de poesia. Não deu! Apaguei tudo e
estou reiniciando ao me lembrar de uma poetiza que fez parte de um livro
publicado com recursos próprios. O editor disse, às outras iniciantes, que
tirasse aquilo que ela estava chamando de poesia. Aquilo era só um amontoado de
palavras. Por compaixão, as outras combinaram em publicar, assim mesmo, o
amontoado. Desde o início, tenho me policiado bastante para não fazer o mesmo.
Já apaguei vários textos que estavam prontos para enviar. Alguns ruins outros
piores. O difícil é ter coragem de colocar no lixo a produção de mais de seis
horas de trabalho. Muita gente pode até pensar que o autor perdeu seu tempo,
mas na verdade isto é o ensaio para o que virá logo em seguida. Quem escreve
não tem tempo para mais nada. Precisa ficar à disposição do ócio criativo. Nas
aulas de arte havia um professor preocupado com o produto final. Questionei que
havia uma concepção valorizando o processo, e não o produto. Claro que o
processo visa um objetivo, mas ninguém chega a um bom resultado sem
experimentações. É necessário relevar o lado medíocre que cada um de nós temos.
Não vejo nada demais em combinar nada com coisa alguma, desde que não tenha a
cara de pau de publicar. Nessas inutilidades é que nasce a verdadeira Mona
Lisa. Falamos da genialidade de Leonardo da Vinci, mas ninguém fala dos
rascunhos que ele fez. Não existe uma fôrma, senão seria uma fábrica, e não
arte. Acredito que já falei disso, mas se falei me perdoem. Minha memória está se
indo. Não lembro se vou ou venho. Preciso consultar a agenda constantemente
para me situar no mapa do tempo. Em cada horário estou em um lugar. Se estou no
vôlei é porque são dezesseis horas. Estando no banheiro... bom... deixa para
lá... Estou adorando essa minha amnésia. Antes eu me preocupava com a alta do
dólar, a bolsa de valores. Hoje nem sei se existe mais isso. Só me lembro de
chacrinha dizendo: alôoooo Terezinhaaaaaa...!!! e aquelas gostosonas gritando
Úúúúúúúúú... início dos anos...sei lá... estão vendo! Não sou mais eu. Nem
lembro mais o ano que Chacrinha fazia sucesso. Poderia pesquisar no Google,
mas, sabido é quem guarda na memória. Esse negócio de consultar é novo.
Consulta só quem fazia era mãe quando estava perto de parir. Eu ficava do lado
de fora da sala. Só ela e o doutor consultando. Eu olhava pelo buraco da
fechadura. Não gostei nada de ver mãe naquela posição. Quando ela me chamava
para acompanhá-la, eu olhava para pai, e, silenciosamente, dizia: vai tu que a
mulher é tua. Foi meu primeiro trauma. De lá para cá, quando a minha mulher diz
vou me consultar, eu digo: veja se tem uma médica. Eu confio mais nas mulheres
porque sabem, por experiência própria, como isso funciona. Ela me obedece. Ufa!
Minhas preocupações estavam certas. Tantos médicos presos por não se conterem.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Natal/RN, 29/12/2020 – 14:48
84-99973-4114
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